<br />Hoje percorrendo solitário, na cidade quase vazia, meu caminho cotidiano para o trabalho, garoa fina, elegantemente paulistana, molhando meus cabelos, deixando-os menos grisalhos,pensando no transito fácil nas ruas quase desertas.Sob o toldo de um restaurante fechado, um sofá abandonado, ao passar vejo um par de pés descalços, sujos, grossos de muitas caminhadas, enrodilhado numa posição fetal, tirando de si o calor que sua vida precisa.Um menino dormindo, drogado, cansado, abandonado como o sofá que o acolhe.A cena me fere, mas continuo o meu caminho, como se não ouvisse o silêncio gritante destas crianças sem voz.Hoje milhares receberam presentes, afeto e milhares dormiram ao relento como ele tendo como casa a cidade vazia e como teto o céu que se escondeu de vergonha atrás das nuvens, e eu onde vou esconder a minha vergonha e a minha impotência?Quando o menino acordar de seu sonho ou pesadelo drogado, se alimentará de luz, deixará transeuntes assustados, outros apiedados, velhos constrangidos, procurarei na memória dos meus dedos, teclar algo que exprima o que sinto, sem conseguir.E quando a boca da noite engolir o menino e o levar para o incógnito fim do seu dia, ou o fim do seu futuro, talvez imitando Chico para o Brejo da Cruz, estarei com meus olhos cansados vendo amanhã a mesma realidade que me oprime hoje. Sexta feira em São Paulo .