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chegaste já no final do entardecer, quando
o sol queimava a ponte romana sobre o Guadalquivir
(sempre turvo), e atravessaste as ruelas
junto à mesquita-catedral – na magistral gonzalez frances,
onde a sombra te aliviou por um momento
a fé;
pelo bairro judeu caminhas às avessas,
tens todo o tempo para perder no Sepharad antigo
e o tetramorfo bíblico de Ezequiel arde-te
no estômago com um Cava Freixenet Extra perigosíssimo:
Marcos, o Leão
Mateus, o Cordeiro
João, a Águia
Lucas, o Touro
tu viste-o na mesquita, adivinhaste-o depois junto da
estátua de maimónides, onde a sabedoria se une ao caminhante
pela magia simpática de um simples toque;
agora anoitece,
os luzeiros descem no horizonte e inflamam de escarlate
as fachadas tão antigas como o sonho visigótico;
tudo o que foste até chegares a esta cidade dos califas
é tão etéreo como um bilhete esquecido
e agora podes interromper o fluxo das galáxias que se expandem
junto a este Guadalquivir (sempre turvo)
e sabes o segredo
porque é o segredo o instante
é onde tudo é panta rei do tempo curvo;
e tu agora sabes o segredo
não se deve, jamais, olhar atrás
ou o tetramorfo fará de ti mulher de Lot;
castigada impura,
petrificada em estátua de sal.
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