Amnésia
Há um corpo na calçada, já frio. O sangue seco atrai a atenção das moscas. No rosto do morto a ausência de qualquer expressão, denunciando morte rápida, brusca, como a lâmina que definiu seu fim.
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Faz frio e ainda há sangue em minhas mãos. Alguém tem que limpar este sangue na calçada. Tenho que limpar o sangue das minhas mãos.
A lâmina fria pulsa em meu bolso, cortante, impessoal mas torturante.
Caminho em passos rápidos. Estou assustado, persegue-me um sentimento estranho, um vazio em minha cabeça. Porquê há sangue em minhas mãos?
Chego ao meu quarto sujo, fétido, frio. Ele traduz exatamente como me sinto. Livro-me das roupas (a lâmina pulsa inquieta) e nu atiro-me à cama.
Fico quieto, imóvel, sinto frio e não me cubro. A garganta seca. Água, quero água, levanto-me súbito e contrariado e vou ao meu miserável banheiro, lavo o rosto e lembro-me: tenho sangue nas mãos!
Lavo as mãos (como se isso afastasse de mim as imundícies do mundo), esfrego até sair o sangue que me incomoda. Não me sinto limpo mas cansado.
Torno a deitar-me e adormeço. Sonho. Labirintos, punhais e um grito que me acorda suado. Ainda tenho sede e ainda sinto-me sujo. Levanto-me, me visto apressadamente e decido andar na madrugada fria e úmida.
Sinto um peso no bolso. É a lâmina, minha mestra e escrava, senhora dos meus desejos.
Meu coração pulsa violentamente, minha cabeça dói. É madrugada e caminho com passos apressados. Já quase amanhece e há um corpo na calçada. Quente, com o sangue a escorrer da ferida aberta.
Há sangue em minhas mãos.
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