Em prol de sua esposa que ficara apavorada, Baracho pediu transferência para Manhuaçu com a aquiescência do delegado de lá, porém, foi traído e mandado para a cidade de Divino, onde nunca tivera antes outro policial civil lotado.
Na véspera do Natal de 1 983, Baracho, dirigindo o seu "Doginho Polara", levou toda a sua família para Manhuaçu, onde mora a sua sogra, lá chegando, foi a casa de seu amigo cabo Brito que tinha sido reformado com problemas cardíacos.
Na casa de Brito, por solicitação dele, tomou umas cachaças, bebendo em dois copos, um seu e o outro pelo amigo, numa fraterna amizade.
Após vários goles, despediu-se e foi para a casa da sogra, não vendo mais nada e só dando acordo de si noventa quilômetros distantes, em sua casa na cidade de Divino.
Acordou por volta de 05h00min horas da manhã do dia seguinte numa poltrona com o televisor ligado e sem imagem, no chão, estava a sua roupa toda suja de um lodo esverdeado e, molhada.
Levantou-se, foi à cozinha, esquentou e tomou alguns ovos e foi ver se o seu automóvel estava por ali, nada encontrando.
Ficou sentado tentando recordar o que tinha ocorrido com um medo tremendo de ter caído num buraco e matado toda a sua família.
Ao amanhecer do dia, foi a casa de sua locadora, ao lado, por ela ficou sabendo que chegara em casa no inicio da noite anterior, todo molhado e sujo de lodo, pedira uma chave reserva da casa, entrara, tomara banho e saíra para a casa de um vizinho, onde estivera bebendo e beijando às pessoas até tarde da noite.
Voltou para a sua casa, fez um café forte, tomou e começou a ver na mente retalhos do que ocorrera da seguinte forma:
"Viu-se lutando com alguém do lado de fora da casa de sua sogra... Estava viajando com Jesus Cristo num caminhão... Escorregava dentro de um buraco cheio de lama e água de chuva que caia ininterrupta... Se encontrava dentro de um automóvel saindo da rodovia 116 em direção de Divino, e um casal estava na frente com o varão dirigindo enquanto a senhora recebia nas costas as mãos sujas de Baracho..."
Nada mais lembrando, optou por esperar um pouco dentro de casa.
Um pouco mais tarde, seu automóvel chegou conduzido pelo seu cunhado Osvaldo e trazendo toda a sua família. Recebeu um forte abraço do cunhado e sua esposa o brindou com a fisionomia carrancuda assim permanecendo por três dias, ao final dos quais, reataram o relacionamento, ocasião em que ficou sabendo que, embriagado, cometera os seguintes desatinos:
"Tão logo chegara em casa da sogra., vindo da residência de Brito, deitou-se no chão com as moças que ali dançavam reclamando, bastou sua esposa pedir para Baracho levantar-se que este pediu as chaves do carro dizendo que ia embora sozinho para Divino.
Outro cunhado retirou o rotor do automóvel e a chave lhe foi dada, entretanto, o carro não funcionou por razões óbvias. Semi embriagado, jogou as sandálias no interior da cabina, saindo descalço dizendo que ia a pé, foi seguro por um amigo muito forte, porém, o jogou sobre os ombros e uma cerca de um parque em frente da casa da sogra
Tão logo saiu, o rotor foi colocado e os cunhados de Baracho foram atrás dele, mas, o perderam de vista, sendo informados que ele fora visto entrando num ônibus que ia para o nordeste do país.
Therezinha, esposa de Baracho, lhe informou que mandou que todos os seus irmãos ficassem em casa porque Baracho, sendo policial experiente, tão logo melhorasse da bebedeira, encontraria o caminho de volta e, além disso, estava com os documentos e dinheiro nos bolsos.
A esposa de Baracho disse não mais saber de nada, nem do seu revólver que alegara ter deixado sobre um guarda-roupa na casa da mãe dela.
Dias depois, ainda com uns "trapos de lembranças" na cabeça, Baracho resolveu fazer o itinerário de volta partindo sozinho no seu carro para Manhuaçu, via BR-116. Quando ia entrar na rodovia "Rio Bahia" (BR-l16) viu um buraco do seu lado esquerdo quase no trevo, parou e descendo do carro, viu marcas de seus dedos e pés no fundo do buraco, passagem de águas pluviais sob a rodovia, além de lodo verde igual ao que vira na sua roupa quando acordara em Divino, foi até o buraco e o esquadrinhou à procura do revólver mesmo sabendo que poderia tê-lo deixado em Manhuaçu, nada encontrando, porém, ficando confirmado que ali estivera chafurdando no lodaçal.
Prosseguiu viagem para Manhuaçu, quando ia passando pelo posto da Polícia Rodoviária foi chamado por um guarda, seu conhecido e amigo, parou, desceu do automóvel e foi cumprimentar o policial rodoviário.
Surpreso, ouviu dele a pergunta:
"Como é, conseguiu pegar o ladrão?"
Que ladrão? Perguntou Baracho.
Você esta doido Baracho? Exclamou o guarda, no sábado, véspera do Natal, você chegou aqui a pé, todo molhado e descalço e me pediu uma "carona" que só podia ser em caminhão, porque estava atrás de um ladrão, Baracho, interrompeu o diálogo dizendo:
Aposto que você me arrumou uma "carona” com um caminhoneiro que parecia Jesus Cristo.
Lembrou né? Realmente, o caminhoneiro parecia com Jesus Cristo, redargüiu o patrulheiro rodoviário.
Despedindo-se, Baracho resolveu voltar para Divino, acreditando nada mais ter a descobrir, faltando tão somente identificar o casal do automóvel que o levou da BR-116 até Divino e, este, morava naquela cidade.
Ao retornar de Realeza passou por São João do Manhuaçu, ao lado da BR, para tomar um café, resolveu parar no posto de gasolina do Dr. Jorge, seu amigo e médico em Manhuaçu.
Tão logo desceu do carro, foi recebido com sorrisos do garçom do bar do posto, pela garçonete e pelo gerente, meio encabulado por não conhecê-los bem, adentrou ao bar, ocasião em que o gerente lhe perguntou:
Você ficou embriagado na véspera do Natal?
Sem saber o que responder, perguntou a razão de tal pergunta e ouviu a seguinte versão, confirmada pelos demais:
"Você chegou aqui à tardinha acompanhado de quatro médicos, todos de branco e com estetoscópios visíveis, deixando bem claro que eram médicos, porém, desconhecidos na região já que este posto é de médico e eles vêm sempre aqui. Tão logo entrou, você pediu um litro de conhaque “Presidente” e o tomou todo pelo gargalo, momento em que fiz a observação que ficaria embriagado, ao que um dos "médicos" disse que não haveria esse perigo.
Após ingerir a bebida quase a um fôlego só, um dos "médicos" retirou uma nota do seu bolso da camisa, pagou, recebeu o troco e colocou-o no mesmo lugar. Em seguida, vocês foram para o veículo, com um deles na direção, e tomaram o rumo do Rio de Janeiro. “Só agora o estou vendo novamente, daí à razão de minha pergunta”
Sem saber o que dizer Baracho apenas comentou:
Não gosto de conhaque e, às vezes, quando tento tomá-lo quase vomito.
Sem mais comentários, esquecendo-se, inclusive, de pedir o café, Baracho saiu dali apavorado, principalmente porque, pouco quilômetro atrás pegara “carona” num caminhão dirigido por um motorista parecendo com Jesus, pára poucos quilômetros depois, aparecer naquele posto num automóvel acompanhado por quatro homens vestidos de branco e parecendo médicos.
Passou direto da BR para a estrada também asfaltada e foi para Divino.
Apesar de esforçar-se muito, não conseguiu encontrar o casal que lhe dera a "carona" a partir da BR-116 na direção de Divino até que, um dia, estando sentado na porta de sua casa, viu um automóvel passando e, por detrás, imaginou conhecer o casal que procurava, entrou em seu carro e partiu atrás do automóvel do casal, os apanhando na saída da cidade.
Encostou atrás do automóvel ainda vendo à senhora entrando em casa enquanto o marido dela fechava o veículo.
Aproximou-se e perguntou ao motorista se ele o conhecia, recebendo dele a resposta:
Claro! Você é o primeiro escrivão que veio para esta terra e eu sou o farmacêutico mais antigo daqui. Como você passou o Natal depois que te dei a "carona" no trevo da rodovia “Rio Bahia"? Perguntou aquele senhor.
Baracho respondeu que passara bem e lhe pediu detalhes daqueles momentos e o farmacêutico contou-lhe o seguinte:
“Vinha eu e a minha esposa pela estrada e, tão logo abandonamos a BR vindo para cá, vimos uma pessoa toda molhada e suja de lama verde ao lado de um rapaz com uma roupa totalmente branca e limpa.
O rapaz de roupa suja deu um sinal pedindo condução, mas não parei com medo de ser algum assaltante, com minha mulher dizendo para não devia parar para estranhos.
No entanto, uns poucos metros à frente, parei e dei marcha-à-ré, por tê-lo conhecido na pessoa que estava descalça, suja e molhada
Ao parar o carro, você entrou atrás da poltrona ocupada por minha esposa enquanto o estranho de branco entrou do meu lado, após ser levantada a minha poltrona.
Seguimos viagem, com você conversando o tempo todo sobre vários assuntos enquanto o estranho de branco não dizia urna palavra sequer, mesmo sendo provocado por mim que, a todo o momento, tentava vê-lo pelo retrovisor. Quando chegamos à última reta para entrar nesta cidade, ele disse às primeiras e últimas palavras:
"Aqui eu fico, pare, por favor!"
Parei debaixo de muita chuva, dizendo-lhe que ele deveria chegar até a cidade, mas, debalde, ele não atendeu, desceu do carro e... Desapareceu no meio da estrada e do aguaceiro!"
Prosseguindo, o farmacêutico perguntou:
Quem era aquele homem totalmente estranho para mim?
Baracho respondeu que não sabia e nem vira tal estranho no que o farmacêutico não acreditou, dizendo que Baracho estava completamente lúcido, conversava normalmente e não parecia nem de longe embriagado, tendo o deixado na porta de sua casa, perto da delegacia, naquele final de tarde e véspera de Natal.
Esgotado o assunto, despediram-se, com Baracho pedindo desculpas sem nem mesmo saber do que ou... Por que.
(aa.) Sebastião Antônio Baracho.
conanbaracho@uol.com.br
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.