Vasculhei todas as minhas gavetas,
percorri todas as ruas,
visitei antigas praças,
penetrei nos bosques e nas cavernas,
caminhei por entre velhos pardieiros,
revi velhas prostitutas,
procurando o perfume de antigos momentos.
Homens desesperançados me pediram uma canção.
Nos espaços vazios deixados pelos amigos mortos
nasceram flores negras e sonhos amputados.
A mulher que devia ser minha se dissolveu como a onda no mar.
E tudo se fez silêncio dentro da noite.
A ponta de um sentimento rasgou o véu do tempo
por onde penetrou um alquimista embriagado.
E espalhou milhares de estrelas no céu interior.
Então eles foram chegando, um a um,
com a liberdade que a Musa lhes deu.
Primeiro o odor das primeiras carícias,
quando a sementes ainda estava seca
e as palavras perdiam o sentido.
Parece que ouço a voz do perfume
Reivindicando seu lugar ao sol
Como o fiel escudeiro Sancho Pança:
Vem comigo, poeta, ainda há tempo de sonhar.
Não sentes o pulsar das árvores?
Não ouves o canto dos cisnes?
Eu sou o que te leva às alturas
E torna as tuas lembranças eternas.
Com braços longos e firmes
construiu abrigo para as palavras
e estendeu um tapete tecido com lágrimas
onde um corpo de mulher dormia.
Um segundo perfume se derramou no ar:
era o aroma inconfundível dos risos fáceis
que tornavam as manhãs radiosas
e os rios cristalinos.
A vida explodia a três por quatro nos becos,
nos campos, nos bosques, nas matas,
nos leitos, nas moitas, nos sonhos.
E o cheiro de tudo ficava na alma.
O bolor acre de fraternos abraços
ressuscitou a alegria de saber-se amado,
debaixo de lençóis encardidos
a mão tinha um gosto de mulher,
até que um dia um olor diferente
se uniu com o vento para confabular
sobre paixão, desejo e imortalidade.
O incenso de jasmim traz velhas sepulturas,
mas elas fazem a vida tremular
nas pontas dos dedos e nos lábios de um cantor,
anunciando, gritando, clamando,
que mais do que nunca é preciso cultivar
o perfume que brota do seio da vida.