ESPERANDO AS CHUVAS
Se aqui ocupo espaço
Pra falar desta tristeza,
É porque tenho certeza,
Muitos hão de me escutar,
Pois a água é ben¬fazeja
A todos os seres da Terra.
Médio, rico, indigente,
Pre¬to, branco, amarelo,
Toda a classe de gente
Vai na água se banhar;
Vai beber o seu frescor,
Vai regar suas verduras,
Vai gozar suas loucuras,
Na água se aliviar.
No mar, no rio, na cascata
No ribeirinho da mata,
Na lagoa ou cacimbão.
De¬lícia igual não existe,
Que a todos assiste,
Com dinheiro ou sem tostão
Pois a nossa lagoinha,
Tão querida, tão faceira,
Por culpa da soalheira
Se botou a transpirar
E se foi, desfeita em gazes,
Foi sumindo, foi subindo,
Querendo o sol alcanar. . .
Não há mais cum-cum de sapos
Lá pras bandas da lagoa.
Da lagoa ficou a cova,
Seca, dura, esturricada,
Sem bichos sem passarada,
Sem meninos e canga-pés.
O pau-de-bebedouro
Se atolou na lamaceira
E lá ficou encalhado;
Já não o empurra o gado,
Arreganhando o fo¬cinho,
Procurando o que beber.
Que nem defunto,
Reto, du¬ro, de pé-junto,
Enterrado em cova rasa. . .
E o chão se foi gretando,
Foi se abrindo se partindo,
No forno vivo do sol.
O galinho-da-campina,
O vém-vém, a seriema,
Toda a nação pequena
Dos bichinhos de pena
Se apartou da lagoa.
Lá fi¬cou a coitada,
Preta, suja,abandonada
Das belezas que pos¬suía.
Já lavou tanta roupa,
Já lavou tanto chão;
Já foi ponto de conversa,
De riso e falação.
Ouviu muito mexerico
De co¬madres faladeiras,
De comadres lavadeiras
De roupa, vida e questão. . .
Já deu muita ocasião
Para as moças namoradei¬ras
Mostrarem o corpo bonito,
Nos banhos, nas brincadeiras.
Debaixo das algarobas,
Dos pés-de-pau em flor,
Houve muito romance,
Muitos beijos de amor.
Fora os pescadores,
De landuá, vara e tarrafa,
Que vinham com seu farnel
Apro¬veitar os feriados;
Lá ficavam descansados,
Boa sombra, bom assento
Dando goles na garrafa
E tragadas ao vento.
A lagoa secou. . .
Olho vazado ao céu,
Olho triste, resse¬cado,
Chorando sem ter chorado,
Sem lágrimas pra se banhar.
E de noite a lua cheia
Fica triste, suspirosa,
Por não se ver tão formosa
Na aguinha da lagoa
E vai chorando pra¬teado
Sobre o negrume do chão.
E o vento que passa,
Fininho, assoprando
A queimadura, vai falando
Com ternura, com cuidados,
Com carinho, alisando a solidão.
Os dias vão se seguindo:
Já contá-los pouco importa.
Para a lagoa desfeita
São todos, todos iguais.
O céu, lâmina de prata,
Incandesce a pouca mata
Sobre a terra semimorta;
As nuvens que passam airosas,
Tão fresquinhas transitórias,
Vão contando suas histórias
Do sol e do mar de anil...
E a lagoa deslumbrada
Com a boca escancarada,
Vai gemendo tristes ais:
"tem dó dos meus pezares,
A arder nos meus ardo¬res
Neste chão, seco e febril"
Muito louca, escandalosa,
A nuvem desfeita em rosa,
Vai desmaiando na cor;
E o sol livre da venda
Que lhe tolda o fe¬ro olhar,
Rutila o aço-brilho e fere,
Fere profundo
Todo o abandono do mundo,
De uma lagoa a secar. .