CANTO DE UMA PAIXÃO
Havia um homem que bebia vinho na Paixão
Apenas uma dose, na Sexta, dita Santa.
Um homem que nunca bebia
Um homem que nunca rezava.
Havia um homem que nunca fumou cigarros,
Que nunca comeu pimenta,
Que morreu de cirrose, depois da Páscoa.
Em silêncio, em segredo.
Havia um homem que jogava bola no 2 de Julho
Com cara de meia-esquerda e corpo de médio-volante,
Que jogava dominó e sorria sempre.
Havia um homem que assoviava e chegava
Sorrateiramente à procura dos seis,
Com três sacos de pipoca.
E repartia os sacos, a pipoca e a paixão.
Havia um homem que acreditava na Paz, generoso,
Que dividia o pouco da casa e o muito do coração,
Que gostava de mar e amava Antonieta
E pescava e nadava e vivia.
Havia um homem
Que amava e fazia filhos porque amava.
Havia um homem
Que ensinou a ser feliz, e (se) foi.
In: ESPELHO MOLHADO Poesia, ROCHA, Antônio R de A., Publicado pela Empresa Gráfica da Bahia, Salvador, 2011,