Amanhece mais um dia.
Amanheço com ele e com as galinhas.
Descansam as molas do meu colchão
Em rangidos sinistros e aborrecidos.
Ouso tocar os meus pés no chão.
Um de cada vez... Direito... Esquerdo...
Depois, como se fosse um ritual diário,
Os dois juntos e ao mesmo tempo.
Abro as cortinas com violência
O que também desperta minha esposa.
Olho-a com desprezo e indiferença.
Ela também me olha sem encanto
E me pergunta com rispidez
Porque preciso ir trabalhar aos domingos.
Nada digo.
Escovo meus dentes perante o espelho,
Calço meu All Star surrado e vermelho,
Entro no fusca e vazo.
Não alimento mais minhas antigas crenças,
Minhas paixões antigas ou amores destruídos.
Também não ficarei lamentando o que não fiz,
A vida que não vivi e os planos não constituídos.
Eu quero mais é o clarão da aurora e ser feliz
Colecionar seixos arredondados dos regatos,
Borboletas azuis, arroxeadas, brancas e pretas,
Eu mesmo produzir o leite literário que gosto.
Sei lá. Quero aprender uma canção nova, cantar,
Viajar mais, conhecer mais pessoas, mais a mim,
Mas a ti... muito mais coisas quero inventar.
Sei lá. Talvez eu devesse mudar minha roupa
Criar uma estampa diferente que não se usa, louca,
Cortar meus cabelos tipo moicano só que diferente,
Calçar coturnos policiais e pulseiras pontudas.
Vadiar com belas prostitutas
Pelos recantos da cidade
A procura de felicidade
Num quarto sujo de motel
Até morrer a noite e nascer o dia
Para que eu desperte com as galinhas
Porém agora as do bordel.
Morri de uma morte bem morrida.
Mãe, eu não quero ir para o céu.
Gyl Ferrys