Fui assistir ‘NA ESTRADA” baseado no livro de Jack Kerouac, pai do chamado movimento “beat” que precedeu o movimento hippie ocorrido na década de 50 e 60 nos Estados Unidos e no Brasil mais próximo dos setenta, se é que aqui ocorreu, pois o mais certo é que pulamos esta fase e caímos direto já no “Paz e amor”.
Este movimento assim como toda a efervescência daqueles anos eu vivenciei no microcosmo da minha cidade.
Desde os doze anos eu já fui atraído por tudo que havia de inovação no sentido libertário no meio social daqueles anos divisores de água. Deixei de freqüentar as primeiras cadeiras da sala de aula e respondi ao chamado efervescente das ruas onde parecia que estava o que eu tinha que aprender naqueles anos transformadores e que iriam mudar a sociedade nos anos posteriores.
Conheci todos os protagonistas daqueles anos aqui da minha cidade, assim como tinham em todas as cidades, mas sem a consciência em ninguém da interligação do que estava acontecendo a nível mundial.
Este movimento ocorreu no Ocidente, mas fez uma ponte com o Oriente trazendo este para mais perto de nós através das suas filosofias.
Quem sabe não podemos dizer que foi ali o início da globalização, pelo menos culturalmente falando, pois só ficou de fora os povos da cortina de ferro, os de regime comunista, a antítese daquele período.
Era como uma revolução sem programação, sem lideranças, cada cidade tinha os seus representantes. Todo mundo na estrada literalmente e de carona normalmente.
O dia a dia era uma incógnita, nunca sabíamos como seria a estada para onde estávamos indo quando viajávamos, mas com o tempo vimos que tudo sempre acabava se arrumando.
Éramos de uma tribo e à exemplo da maçonaria em cada lugar havia os nossos “afiliados” que se auto ajudavam.
Foi um período de espiritualidade, de fraternidade, de descobertas espirituais, também de muito abusos, mas que ajudou a amadurecer o Ocidente, tornando-o mais palatável, longe das religiões canhestras e castradoras.
No filme de Walter Salles eu vi novamente os olhos dos que se perderam no processo e ficaram para trás por terem sucumbido à ilusão das drogas que rondava, mas que deveria ser só mais uma passagem, mas muitos patinaram e ficaram.
Estes na realidade foram os que tocaram o movimento para a frente, assim como fica claro no filme de Walter Salles, pois kerouac, na prática, foi mais um coadjuvante, assim como eu fui no meu pequeno microcosmo, mas fomos os sobreviventes.
Eu acompanhava, mas não cai de cabeça, pois o meu instinto de auto-preservação se manteve ativo, mas ficava embasbacado na forma como os demais caiam de cabeça, como num salto sem pára-quedas.
Eu era muito bem aceito no meio, embora também coadjuvante, e vi posteriormente nos olhos de alguns o desespero dos condenados, a perdição em olhos que transmitiam profundo desalento, pois já se viam impotentes contra aquilo de que tanto abusaram.
A ilusão virou pesadelo para os mais afoitos, mas a maior parte saiu quando avançamos na idade e aquele período de irresponsabilidade tinha hora para acabar.
A vida pré adulta nos chamava novamente para os bancos escolares. Acabou o período da curtição e irresponsabilidade adolescente que deixou suas marcas nas nossas almas, assim como ocorreu com Kerouac, mas não para o seu amigo protagonista, cujos olhos no final do filme lembrou dos que eu vi naquele período e que me faz escrever esta crônica.
Entraram sem reservas naquilo que deveria ser transitório, e sem nenhum outro objetivo intrínseco além da curtição acabaram se ferrando, como muitos artistas protagonistas daquela época como Hendrix e Janis Joplin.
Mas para nós outros a magia e a atração pelo conhecimento, pelo esclarecimento das coisas, nos levaram a ir longe em busca de respostas que as gerações anteriores nunca tinham se feito.
Foi a geração das esquinas, lugar onde muito acontecia e onde muito se conversava.
O mundo não nos metia mais nenhum medo, pelo contrário nos instigava a ir mais fundo para conhecê-lo. A geração cosmopolita anterior nos dizia pouco.
A humanidade estava se tornando livre para fazer as suas últimas opções antes do seu último estágio de desenvolvimento a cujo fim já estamos chegando.como nos diz Roselis von Sass em seu livro, lido por mim naquela época, "O Livro do Juizo Final" (www.graal.org.br)
Místicos nos diziam que estávamos na Era de Aquários.
A chamada Era de Aquários se caracterizava por anseio de mais liberdade e luz, mas para quem abusou dela, como os marinheiros na fábula do canto das sereias, foram levados para as profundezas onde não havia mais esperança muito menos luz.
Kerouac foi um observador daquele tempo, mas não li o seu livro, pois não me traria nenhuma novidade e aquele tempo passou, mas assisti ao filme por ser mais prático e o desfecho do filme caracteriza que ali se encerrou aquele período da humanidade e se iniciou um outro mais responsável.
Tudo na vida tem um prazo de validade e feliz daquele que não perdendo a hora e nem o bonde passa pelos lugares e pelas experiências sem perder a vontade de seguir em frente e sem ficar também remoendo as experiências do passado para não terminar os seus dias de forma amargurada como terminou Raul Seixas, nosso maior ícone daquele período, mas que também se perdeu no processo, apesar de toda a sua genialidade.