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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
houve tempos em que acreditava em deus - era criança. e por cada pai nosso rezado. ao cair na cama os sonhos apareciam feitos de fé. o sol despertava com tanta força dentro do corpo que o pecado era não aproveitar a esperança da água baptismal – acordar sem pecado e crescer para pecar - hoje não acredito em nada e quando digo nada é mesmo nada - deus foi desaparecendo com os ciclos contínuos do nascer e morrer dos dias. e com ele os santos milagreiros. o advogado dos dentes. o dos cravos. o das causas impossíveis. o da memória. a da trovoada e mais uns quantos que por nunca ter precisado deles acabei por abandonar – mais tarde acabei por esquecer os anjos. o primeiro foi o anjo da guarda. ao deitar costumava rezar sempre três orações. três vezes a mesma. por ser pequena e ficar com medo de que uma significasse pouca fé para um anjo que se queria sempre alerta aos perigos diários que um catraio sempre é capaz de fabricar – confesso que na altura tinha medo de zangar o anjo da guarda. era um anjo importante. aparecia em todos os livros da catequese. e mesmo nas igrejas estava sempre presente na maior parte das telas pintadas a óleo. preenchia as paredes ao lado de todos os santos e na minha igreja estava mesmo ao lado da nossa senhora. num dos altares mais importantes de oração – ainda me recordo de ouvir dizer em casa um provérbio que sempre me deixou a pensar: ao menino e ao borracho põe deus a mão por baixo – eu queria ter este deus por perto. queria ter o meu anjo da guarda a meu lado. precisava deles. precisava de crescer devagar e em segurança. não os podia zangar. porque zangados podiam atirar-me abaixo da bicicleta que um dos meus amigos me emprestara. e se então partisse a cabeça destruía a esperança de que o meu pai. mais tarde ou mais cedo. acabasse por me realizar o sonho de ter uma bicicleta só minha. uma onde eu pudesse pedalar para lá dos montes da minha cidade. eram altos para a idade que não imaginava sequer que tinha. mas não me saía da cabeça nunca poder subir ao cimo daquelas colinas com a minha bicicleta – mas as pernas não paravam de crescer e eu sempre a rezar. sempre a fazer o correto. sempre a tentar ser justo. sempre a ver os defeitos e nunca a valorizar as virtudes. queria ser todos os dias melhor. queria crescer. queria ser livre. queria ser dono da minha vontade. queria ir onde o corpo me quisesse levar – não adianta rezar quando deus não te quer ouvir – nunca caí abaixo da bicicleta. mas também o meu pai nunca caiu abaixo daquele medo que hoje sei que era amor – acabei por morrer de tristeza. ainda hoje estou morto desta tristeza – talvez para os filhos o melhor seja mesmo morrerem a pedalar de felicidade – aos meus filhos dei-lhes bicicletas. sei que tudo é ainda igual ao meu tempo. a única coisa que mudou foi o tamanho dos montes. hoje são muito mais difíceis de transpor. as estradas são mais perigosas. mais artimanhas. mais curvas. mais tudo que por ser mais velho já não tenho a certeza do que seja – mas nem tudo é pior. em contrapartida vou atrás a empurrar. a pé. mas feliz por os ver em cima das minhas bicicletas
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anjo da guarda
minha companhia
guardai a minha alma
de noite e de dia
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anjo da guarda
minha companhia
guardai a minha alma
de noite e de dia
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anjo da guarda
minha companhia
guardai a minha alma
de noite e de dia