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dia zero

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


o tempo vai mudar – sinto. sinto porque sinto. sempre senti tudo na vida. e o tempo deu-me razão – sinto – talvez me corra nas veias algum sangue de nostradamus. ou então sangue cigano. e a sina não se encontra na leitura das mãos mas na forma como a vida me entra pelos olhos. pelos ouvidos. pela pele. pelo cheiro. pela boca com que beijo os corações que batem ao pé do meu – sentir é saber – eu sei. sei pelo o olhar. o pestanejar. o tossir. o mover do pescoço para o lado esquerdo. quando o normal é virar para a direita. a mão que entra no bolso. o olhar para o chão. o sorriso que não o é. o sim de não assentimento. o limpar os óculos. e todas as palavras que não servem para coisa nenhuma nem os cinquenta dicionários que guardo na memória de um relógio que nunca parou de trabalhar. que bate um tic tac que é um coração a rasgar a carne. tentando chegar à superfície para respirar – tudo o que me transmitem serve para fazer do amanhã uma certeza inalterável – sei tudo o que sinto. sei que sinto e não sei dizer como o sinto. nem porque o sinto – e o corpo reclama a paz. o vento. o perfume. o futuro incerto. o dia sem fantasmas. e tudo o que parece sombra é afinal o sol a crescer num horizonte que está por detrás de mim – e sinto. e sinto mãos. e sinto os sinos a tocar. e as velas a gotejar cera por um pavio que ainda arde e a luz trémula corre por uma brisa que não é certeza – sinto. sinto se estou só. sinto ainda mais se estou só com os meus eus. e por não estar também sinto. e tudo o que é sentir é arrastar à força o amanhã para hoje. e o sofrimento vivido duas vezes. e o choro ouvido duas vezes. e a dor contínua entre o que sinto pela antecipação e a dor feita certeza porque finalmente está no centro do corpo – e a razão satisfeita. orgulhosa de tanto saber – sinto. sinto a história que construí à minha volta como se fosse uma corda de enforcado – chegam os amigos. os inimigos. os cães. os pássaros e até os deuses de uma mitologia que não serve para nada – resta-me a certeza de que o hoje é a verdade. sou hoje porque vim de ontem e o ontem chegou não sei de onde. talvez do corpo que me trouxe ao mundo e deu rigidez ao que sou. porque sou e nada posso fazer para que não o seja – sinto. sinto um corpo que teima em ver defeitos até nas dobras da pele que cobre a carne que sempre me cheirou a podre – mas não pedirei nada a ninguém. nem ajuda. nem mar. nem água. nem sequer um ombro para chorar – nunca o fiz. nunca o farei – os amigos servem para rir. para ser o que não sou. para dizer que tudo vai bem. para enganar o copo de vinho fermentado em pipos de madeira protegidos pelo sarro da vida – gosto da morte. nunca percebi o motivo porque os homens choram os homens que optam por morrer – morrer é descansar. morrer é sossegar os amigos. morrer é deixar um abraço de felicidade em quem conhece o sofrimento de um homem enganado pelo tempo – jamais pedirei conforto. nunca o fiz e nunca o farei – aos amigos não os quero nem no funeral. a terra cairá da pá do coveiro e no final. depois de bem calcado. talvez um punhado de ervas aromáticas resolva a existência do meu cheiro em vida
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 18/07/2012 23:27  Atualizado: 18/07/2012 23:27
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 18598
 Re: dia zero
Atordoa a alma esse texto... rouba o chão
das palavras, vão se dias meses em um instante.
Da razão já nada sei... vou deixar tudo assim:
em desordem o mundo de um olhar. bjs


Enviado por Tópico
Felipe Mendonça
Publicado: 19/07/2012 00:37  Atualizado: 19/07/2012 00:37
Usuário desde: 01/12/2011
Localidade: Rio de Janeiro
Mensagens: 541
 Re: dia zero
Passo muito por estes dias. Gostei deveras. Postei mais esse lá no blog. Grande abraço.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/08/2012 21:47  Atualizado: 02/08/2012 21:47
 Re: dia zero
Poeta vc tem alma de Poeta quando diz:
"os amigos servem para rir." e isto para não realçar mais uma grade parte do seu texto deveras fascinante...não vale a pena...está aqui partilhado!
Obs: andava à procura do seu nome (por ser novata aqui) para "vasculhar" mais escritos seus...agora não me vai esquecer, pois penso que já o memorizei.
Abraços
Luzia