Fala-me. Fala comigo.
Quando acabares o teu trabalho, fecha as janelas e bate-me à porta. Entra com as mãos nos bolsos e encolhe os ombros. Senta-te no sofá, ou no chão, como preferires.
Queres chá? Queres café?
Não, obrigado. Também só tenho comprimidos para dormir. Alimento único, ultimamente.
"O que te aconteceu?" - encolhes o ombro, mais uma vez.
O medo vai-nos enterrar, quaisquer das formas.
Rasga o peito e despe a pele.
Quando eu falei com o Andreas, ele prometeu-me que iria ficar tudo bem, que não me irias abandonar, que não irias esquecer a cidade do Nada - onde fomos criados.
Doce mentira.
Fizeste as malas e viste a luz.
Saboreia-a, cospe-a. Mastiga-me entre a Realidade e o meu medo de mudança.
Sabes, conheces-me bem. Eu não pintaria o céu de azul se ele fosse laranja da primeira vez que eu o tivesse visto.
O que temos aqui? - O som do silêncio, o pensamento eloquente, tudo o que a Natureza retém e que eu não posso manter refém e eterno.
Oh, eu preciso do que já não existe! E corrói-me...
Dói, arde e queima quando o medo de crescer faz com que até as personagens da tua mente cresçam e te abandonem no teu receio do mundo lá fora, fora dos limites do teu crânio. Dói quando nada respeita o teu medo do Tempo, sabendo que ele é de palavra e não volta atrás para buscar algo ou alguém deixado no antes, nem para endireitar uma linha desenhada torta.
O que andas a fazer, Bruno? Onde está o Jumbie?
-Numa cave.
Ouvi dizer que essa cave é do tamanho do mundo e ilumina-se com o Sol.
Até vocês me abandonaram.
Engulo mais um comprimido e deitada na cama, espero pelo efeito. Só mais uns segundos até chegar à nossa cidade.
Mas vocês estão a desvanecer, vocês morrem perante a desilusão da pessoa que me tornei, aquele que nem vocês, nem a Pequena, alguma vez aceitariam.
Antes dormia por vocês, agora durmo sozinha.
Estou cansada, estoirada. E confusa. A solidão consoe-me como a escuridão corrompe a Luz.
Eu já nem sei o que digo, e sinto-me a dizer sempre o mesmo. Estarei obcecada, ou simplesmente encurralada? Ou, até mesmo, esgotada de motivos para viver?
Jumbie, eles chamaram-me louca.
Toda a minha vida me chamaram estranha, doida, psicopata, maluca... e começo a acreditar.
Outras vezes nem sequer me viram a loucura, entre todas as tentativas de sorrisos baratos.
As vozes da minha cabeça balançam-se e já nem sequer falam uma língua concreta. O que estão elas a dizer?
Tens medo? - Medo?
Sim, de admitir que o tenho.
Odeio a Realidade, odeia a actualidade.
E tu? Tu nem sequer deverias crescer, tu vives em mim, tu não tens esse direito. Criei-te eterno. Mas, mais uma vez, eu sou a senhora de nada. A senhora de um outro mundo que nem sequer tive forças para criar direito.
"Não cresças".
Até falta do David tenho.
Diz-lhe que estou bem, que não me vou estragar.
Promete-lhe a mentira, já que eu não posso visto que ele vive dentro de mim e me lê tudo.
Mas, como todos vocês, nem ele já me parece perto ou concreto.
Dói-me a barriga, os meus joelhos afogam-se em cãibras.
Hoje desenhei-te. Desenhei-te um olho, o nariz, a boca... metade do teu rosto.
E teria acabado, se tivesse forças. Ou memória.
Nem garra para me lembrar do inesquecível tenho.
Não sei o que se passa comigo, porque é que tudo se está a ir embora, a desfocar-se. A vida parece-me sugada de todo.
És a minha coisa favorita de pintar.
Adoro materializar-te, por fim. Adoro dar-te um rosto numa folha de papel virgem.
"Amo-te."
Ouviste? Ou estará a minha voz também a desfocar-se?
Será uma questão de tempo até deixar de ser audível, parece-me.
E quando eu já não te puder falar, fecha as janelas na mesma e fala, fala tu comigo.
Lau'Ra