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desambiguação

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


volto a face para sul. é para lá que correm as gaivotas – no norte sobrevive ainda a macieira do pecado. mas a serpente cresceu. e um dia transfigurou-se em homem-pássaro. pássaro-liberdade. pássaro-mar. pássaro-palavra – fez-se gaivota. cinzenta. malhada. e dona de tudo o que é imenso: mar. sal. vento. e a falésia sempre a gritar por um nome que desconhecia e no eco. o aparecimento de um novo mundo a dizer: voa. voa – todo o homem é feito de pecado – e os sonhos realizados. e tudo cada vez mais azul. e a estrela do mar subiu ao céu. e a água a ir e a vir. e a areia a receber as pegadas do homem que se purifica com a primeira onda da manhã – ilusão – penso. pensar é fundamental para quem gosta de escrever – penso. e tudo é reboliço por dentro. e para fora só o movimento dos olhos na procura de um papel em branco – depois. escrevo nada. isto é. não sou capaz de escrever nada do que sinto e dentro de mim tanta coisa por dizer – não basta pensar para escrever. não basta levar o pensamento às mãos. há um sentir particular dentro de mim quando penso. ou talvez seja o contrário. é o pensar que me traz este sentir e juntos fazem-me ter medo de esquecer tudo o que sou no momento – quero guardar numa folha este homem que ninguém conhece – não sei se deva – é esta a melhor maneira de guardar o que só os meus eus sentem quando penso? não sei – homem real. homem pecador – mas sinto. sinto um sofrimento por não saber escrever o que sinto. se soubesse. se soubesse tirar o meu coração para dentro das mãos – não sei. não posso. não sei – e as mãos sempre revistas. e os olhos a pedir para escrever tudo o que viram por dentro e por fora. e o corpo trémulo por cada palavra caída de dentro de si – sinto. sinto esta coisa de nunca ser eu quando escrevo. e tudo o que tenho para escrever não interessa a ninguém a não ser a mim – homem desapontado – que falsidade. que injustiça. que angústia. se tudo o que tenho é dos outros. se tudo o que sou é o que sinto. o que vejo. o toque da pele com pele. o beijos. os sorrisos. as lágrimas. e as vozes. as vozes que guardo nos ouvidos e os abraços que de tão apertados quase me silenciam a respiração. e as mãos amarradas a todas as mãos. como se todos fizéssemos uma corrente de ferro capaz de amarrar o mundo dentro do meu corpo – sou tanto neste meu silêncio imperfeito de palavras por dizer – e o mundo dos outros sempre a carregar-me as costas com coisas. e tudo parece nada. e eu a colher. e o tempo a passar. rápido. acelerado. brusco. sem piedade. e agora já tudo parece tudo. e eu a colher e a filosofia é sofia e kant a dizer que a “missão suprema do homem é saber o que precisa para ser homem” e sempre que penso não sou nada porque tudo é tanto para saber. e eu cada vez mais distante de ser homem. de ser saber. e ele volta a dizer: “a felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação” e eu cada vez mais infeliz porque tudo o que vejo é tudo menos imaginação – o que vejo é tudo. e o corpo tão pequeno para tanto. e nunca descanso. nunca durmo. e o cérebro sempre a pedir mais espaço. mais saber para me fazer feliz e no mais de tudo o menos de saber viver com o que tenho. e tudo anda. e o corpo pede. e o cérebro exige. e mais uma chave no molhe de chaves. e mais uma porta a abrir dentro de outra porta. e outra. e outra. e tudo confuso e cada vez menos chaves para abrir tantas portas. e a confusão. e a loucura. e a dor. e os gritos que só dentro se ouvem. e depois uma janela voltada para os quatro pontos cardeais. e as asas sempre a querer mais vento para se manterem no céu em labaredas. e eu de cabeça no ar e tudo dentro de mim a ficar cheio com tanto do mundo. e os olhos em compaixão. e a boca a ferver. e a tinta da caneta seca de tanto pensar e nada escrever - sou tanto dos outros que de mim já só os ossos são duros de roer – o meu mundo é dos que me sabem ler
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Felipe Mendonça
Publicado: 09/07/2012 21:42  Atualizado: 09/07/2012 21:43
Usuário desde: 01/12/2011
Localidade: Rio de Janeiro
Mensagens: 541
 Re: desambiguação
Que belo texto, Sampaio. Muito bem construído. E somos muitos apesar desta vida que, às vezes, nos parece tão pouca e pequena... Grande abraço.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 09/07/2012 21:44  Atualizado: 09/07/2012 21:44
 Re: desambiguação
Um bonito texto feito num mar de criatividade, e requinte de modo introspetivo aonde a vitimização está bem presente...
Abraços
Luzia






Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 10/07/2012 11:49  Atualizado: 10/07/2012 11:49
 Re: desambiguação
A felicidade não é um ideal da razão mas sim da imaginação
Um maravilhoso texto, numa filosofia de um escrever belíssimo, onde a explicação esta em cada palavras


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 12/07/2012 03:19  Atualizado: 12/07/2012 03:19
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 18598
 Re: desambiguação
Já ouviu o chamado de uma tela?
Eis bem aqui: gaivotas num piquenique
em uma tarde prosaica, onde a sombra brilha
no opaco, o sol cruza o céu caminhando ao longo
das nuvens no deserto das horas... cai um pouco de prata
nas asas de um avião. no pescoço da andorinha uma carta
com um beijo selado de pigmentos tantos como estrelas
enganando o chão, como se dissessem: "faz se noite então
peito afora" e o mundo é o resto da alegria das cores
que ninguém sabe o nome... são do estar de cada olhar.

Andar pelo mundo ao lado... és assim tua poesia para a alma.
(aff) aplausos. bjs