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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
arranquei os olhos e guardei-os dentro de uma lata. à prova de dor. à prova de som. à prova da luz. à prova de mim – sentei-me de costas para a vida e ali fiquei. a ver-me pelos buracos dos olhos – pousei as mãos em cima dos joelhos. armei os braços. e encostei o pescoço ao peito – ouço agora o coração. não sei se bate depressa ou devagar. não sei. sei apenas que bate – sempre pensei saber tudo sobre o bater do coração. mas enganei-me. perdi-me por partes do corpo que. sem saber. não serviam para nada. cresci em dias que corriam. onde fabricava palavras para justificar a vida que desperdiçava – enganei-me com o tamanho dos dias. mingam dez vezes mais depressa por cada segundo mal gasto – e o corpo sempre a crescer. só os pés não cresciam e o equilíbrio mais difícil. e o coração a bater sorte. azar. sorte. azar. sorte. azar. azar – a face a mudar a cada sorriso perdido. com gente que também acabei por perder. e a barba a crescer. e a vontade de ser cada vez maior a matar a razão de cada coisa no seu lugar – o dezoito passa sempre às meias horas – aos meus olhos veio. pausadamente. o motorista. dono do volante. não é dono do destino. e o corpo na paragem à espera da velocidade da luz – tudo é tão rápido – toda a vida é feita naquele ir e nunca voltar atrás – e os travões deslaçados. e o pé a acelerar. e as casas a ficar para trás. e gente a vir e eu sempre a ir. e as paragens aos gritos a dizer: sai aqui. sai aqui. e a mão na campainha a pensar: toca. não toca. saio. não saio. e dentro de mim nenhuma voz a dizer: fica. fica. ainda há tanto para viver – e o lugar certo das coisas não existia. e todas as estradas vão dar a roma. e o céu cheio de estrelas. e o mar com gaivotas livres e com as asas do tamanho dos meus sonhos. e a liberdade disfarçada de coisa nenhuma e tudo o que faço está bem feito. e tudo posso fazer. e tudo eu sou. e a força superior ao sansão e o cabelo cortado a máquina zero – e o corpo a correr para a frente. sem medo. sem pensar. sem destino. sem juízo. sem nada. e a vida era feita de gente imortal que comigo corria e gritava: somos eternos –