Enquanto passa a estrela fugaz
junto neste desejo instantâneo
montões de desejos profundos e prioritários
por exemplo que a dor não me apague a raiva
que a alegria não desarme o amor
que os assassinos do povo engulam
seus molares caninos e incisivos
e mordam sensatamente o próprio fígado
que as barras das celas
se transformem em açúcar ou se curvem de piedade
e os meus irmãos possam fazer de novo
o amor e a revolução
que quando enfrentarmos o implacável espelho
não o amaldiçoemos nem nos amaldiçoemos
que os justos avancem
mesmo que estejam imperfeitos e feridos
que avancem obstinados como castores
solidários como abelhas
aguerridos como jaguares
e empunhem todos os seus nãos
para instalar a grande afirmação
que a morte perca a sua asquerosa pontualidade
que quando o coração saia do peito
possa encontrar o caminho de regresso
que a morte perca a sua asquerosa
e brutal pontualidade
mas se chegar pontual não nos agarre
mortos de vergonha
que o ar volte a ser respirável e de todos
e que tu mocinha avances alegre e dolorida
pondo nos teus olhos a alma
e a tua mão na minha mão
e nada mais
porque o céu já está turvo novamente
e sem estrelas
com helicópteros e sem deus.
Mário Benedetti (1929-2009), poeta e escritor uruguaio, in: Antologia de Poemas de Amor, Verus Editora, 2010.