Como queria outra sorte para esta pobre aridez
que leva todas as artes e os ofícios
em cada um de seus torrões
e oferece sua matriz reveladora
para as sementes que talvez nunca cheguem
como queria uma enorme inundação
viesse redimi-la
e a encharcasse com seu sol escaldante
ou suas luas onduladas
eu a percorreria palmo a palmo
eu a entenderia palma a palma
ou que descesse a chuva inaugurando-a
e lhe deixasse cicatrizes como sulcos
e um barro escuro e doce
com olhos como poças
ou que em sua biografia
pobre mãe ressecada
invadisse de repente o povo fértil
com enxadões e argumentos
e arados e suor e boas-novas
e as sementes de estreia recolhessem
o legado das velhas raízes
como queria que se escutassem
sua verde gratidão e seu orgasmo nutritivo
e que os arames recolhessem suas farpas
já que por fim seria nossa e uma
como queria este tipo de terra
e tu mocinha
entre brotos ou espigas
ou hálito vegetal ou abelhas mensageiras
te deitasses ali
olhando pela primeira vez as nuvens
e eu taparia lentamente o céu.
Mário Benedetti (1929-2009), poeta e escritor uruguaio, in: Antologia de Poemas de Amor, Verus Editora, 2010.