ONTENS QUE FORAM MEUS
Eu cá por mim sou feito de ontens. Pelo menos é a conclusão a que chego se me debruço sobre o problema, sobre em que marcenaria fui feito e quais os artificies. A hipótese de ser feito de hojes acho que não se põe, porque não deu tempo. Os amanhãs estão ainda para acontecer, se acontecerem. Por isso nem sei se me dizem respeito. Respeito dizem-me os ontens, o que eu fiz, o que eu não fiz, o que eu quis fazer, o que não quis fazer, o que gostei e até degustei, o que não gostei, a mulher que amei e até a que desamei.
Ontens de encanto ou de dor estão nos muitos que eu pensei, naqueles outros tantos que sonhei, nos pobres que não esmolei, naqueles para quem fui pródigo, nas crianças que me inspiraram ternura, nas mulheres que acordaram em mim indizíveis sedes que irradiavam de olhos cor de mel, de seios que se impunham ao olhar mais distraído, de ancas cinzeladas por carismático escultor, por ventura a sugerirem preciosos bordões de nem sonhados Stradivarius. Mas não pode ficar-se por aqui o meu pensar. Não se pode ficar pelos êxtases que os houve. Se houver amanhãs, que haja neles deslumbramentos, tenho mesmo o dever de os agarrar. Desejaria, sonho por aí, tenho obrigação de lutar por esses hipotéticos amanhãs onde se extinga a demagogia e a injustiça e impere em todas as dimensões a Humanidade.
Sejam assim os amanhãs do meu sonhar de hoje.
Antonius
(reed)