Textos : 

sr. antónio

 
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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


não é fácil responder ao teu comentário. nada fácil – faz já algum tempo comprei o último livro de crónicas do lobo antunes. este traz emparelhado com o papel um cd onde se pode ouvir o autor a ler algumas das suas crónicas – quando o ouço tudo se transforma. tudo é desarrumação. confusão. agitação – aquela voz rasga-me os tímpanos e o desgosto aparece: não sei escrever – agora também tu sabes o que ouço nas viagens solitárias. quer dizer. nas viagens que eu e o sr. antónio fazemos – não o trato por dr. porque sei que ele prefere ser tratado por sr. antónio – e as histórias gravadas dentro do meu corpo correm com o cd. sintonia e sinfonia. e tudo é orquestra. e tudo é música. e o absurdo sou eu a viajar dentro de uma outra viagem – a viagem é conhecida. uma parte do corpo em alerta. enfrenta as curvas com as mãos no volante e o ouvido na convicção de que a voz do cd não mudará nunca e por cada segundo falado a certeza das tossidelas. das hesitações da voz. das pausas e até o ruído de fundo das ambulâncias a vozear por socorro – há milagres que não sei explicar – e é aqui que recorro à fé com que me ensinaram a crescer – lourdes. a minha segunda mãe. nome herdado da nossa senhora de lourdes francesa. sempre manteve uma amizade intensa com o divino e seus seguidores – não há anjo ou santo que não saiba que ela existe e não há noite que entre um pai nosso e uma avé maria. não caia aos pés de um canonizado um pedido de protecção divina contra os males do mundo: - - há lá em cima alguém que toma conta de tudo o que se passa aqui em baixo. mais tarde ou mais cedo tudo se paga aqui na terra. os milagres só acontecem aos crentes – quase sou crente – incrivelmente o milagre acontece. de cada vez que ouço uma narrativa sou resgatado da mediania. e as palavras agitam-se. alteram-se. agigantam-se deliciosamente invadindo cada poro da pele em bicos de pés. tão harmoniosas. geométricas. sincronizadas. como se fossem um bailado russo a fazer lembrar rudolf nureyev. e tudo é agora novo – há um novo sentir das palavras. uma nova descoberta. um terraço onde o fim do mundo fica adiado – e aquela voz serena. mansa. pacata a fazer desarrumação – afinal há outras vidas para além da vida gravada naquela rodela de tecnologia – afinal ainda não ouvi tudo o que tinha para ouvir – será que alguma vez serei capaz de ouvir tudo? não creio – lobo antunes é como o labirinto de creta. quando entramos dentro do seu texto somos devorados por um novo minotauro. este lusitano – e há um homem com raiva de não saber escrever. este silêncio que ouço enquanto o ar desce aos pulmões para trazer mais um abundar de imagens feitas ao segundo pela força da vontade de trazer a vida dos simples ao conhecimento – ai se eu soubesse apanhar este silêncio escrito pelo antónio que separa a palavra do parágrafo. da vírgula. da interrogação. da exclamação. e o meu corpo a tremer – e ele continua a falar. e eu ali. escutando o que nunca tinha escutado. e a felicidade presa à dor do belo e a comoção feita na descoberta de um novo caminho para cada leitura – quando ouço lobo antunes sei que perco uma parte de mim. é como se me arrancassem um pedaço do que sou para me ocupar com um pedaço do que é o antónio. e dentro de mim vive agora aquele desespero da descoberta de não saber escrever – hoje quando entrei no automóvel lembrei-me do teu comentário. não resisti. e lá fui a ouvir o meu amigo – ele não sabe. nem nunca saberá que por braga há um corpo preenchido com pedaços das suas palavras – obrigado cleo* –


*este texto serve de resposta a um comentário muito simpático feito pela minha colega de escrita – cleo / lurdes dias – a um texto postado por mim no luso - a morrer do mundo
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/06/2012 19:40  Atualizado: 20/06/2012 19:40
 Re: sr. antónio
Gosto muito do que escreves e como escreves.O assunto é tematizado com maestria e apresentado de uma maneira singular que caracteriza sua forma de escrita. Acho que sua modéstia(não saber escrever) é a agonia de todos(que escrevem e gostam de escrever)autores descobrindo/desvelando o seu potencial. O mundo dos pensamentos é como um abismo sem fundo, onde se mergulha ... a queda é inevitável e o calafrio constante... as palavras escritas é que salvam(pensamentos apreendidos ... cristalizados).

Agradeço a partilha dos textos .

Um abraço


Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 13/07/2012 02:06  Atualizado: 13/07/2012 02:06
Usuário desde: 02/03/2007
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Mensagens: 3731
 Re: sr. antónio
Sem palavras...

algo me chamou aqui hoje. Não sei o quê. Se o destino se o chamamento silencioso das tuas palavras aqui tão delicadamente arrumadas.
Amigo, podes não acreditar, mas escreveste exactamente aquilo que também eu sinto quando me embrenho no mundo que o "sr. António" nos dá a conhecer através da sua escrita. Aquele mundo de palavras e dizeres simples(que muitos não entendem), mas que, para nós, é como uma bênção divina.
Haverá porventura mais alguém capaz de nos provocar tamanhas sensações indizíveis? Não. Penso que não! Pelo menos eu não conheço...

Beijo-te, pois, com grande admiração e simpatia.


Muito e muito obrigado, meu amigo!
Hoje ganhei o dia!!!


Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 13/07/2012 16:27  Atualizado: 13/07/2012 16:27
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Mensagens: 8112
 Re: sr. antónio
Olá Sampaio Rego
Andei aqui a dar a volta a tudo textos e comentários, ainda é o que me motiva continuar a vir aqui, para ir um pouco mais além de onde estou, uma quase analfabeta envergonhada por nem saber melhor dizer como gostei, como gosto de te ler e a esta interacção produtiva de quem sente e sabe dizer. Obrigada.
Beijo