Queriam ensinar o velho burro
a falar doce, com ternura,
mas o bruto...
matou a doçura a murro
e todos os doces fizeram luto!
Queriam ensinar o burro velho
a falar claro, canto de sereia,
mas o fanho e gago...
engasgou-se ao ver-se ao espelho
tareou a sereia num trago!
Queriam ensinar o jumento
a cantar, declamar poesia,
mas cansado e ignorante...
autoflagelou-se num lamento,
já não sabia o que fazia!
Quereria o asno ter escola,
uma onde não colecionasse asneiras?
num momento de demência socumbiu...
arrumou a viola,
as palas e as viseiras.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.