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Polyphemus

 
Tenho visto teu rosto com a obsessão de quem sonha a todo o momento. Em cada esquina, a cada silêncio, a cada vazio, teu rosto forma-se dentro de mim como nuvens que dominam o céu sem nos darmos conta. Sabemos apenas pela chuva inesperada.
Perdi a noção do tempo, e quando a noite chega e me deixa embriagado de sono, sinto-me caminhar lentamente para o teu abismo. Vazio sem fim, dor que desafia meus sentidos, gravidade total.
Impressiono-me com o quão forte são as eternidades que vivemos. Cada olhar e cada gesto ainda estão em mim, indeléveis como provar o infinito e não ser mais o mesmo diante de ninharias. Tive o sol e agora devo satisfazer-me com fogueiras. Agora que o frio é tão mais intenso e lá fora só ouço vendavais e tempestades.
Talvez eu nunca tenha escrito estas frases, talvez eu realmente destrua-as como a tantas outras que se perdem em minha memória ou em meus cadernos, talvez seja melhor deixar as coisas passarem e morrerem como as vidas mais belas que se perdem por todos os lados sem que nem mesmo saibamos ou nos demos conta, como todas as flores que apodrecem sem piedade alguma nossa ou do tempo. Escrevo apenas por necessidade biológica, por culpa do destino, porque sou vazio e faltam-me palavras.
Só queria minha vida de volta; não sei onde a perdi; não sei se devo buscá-la; talvez eu nunca tenha vivido. Despeço-me deste sonho como de todas as pessoas que amo ou odeio: sem nada dizer.
Deixo minha dor entre meus parênteses antes que eu faça algum barulho que acorde algo dentro de ti, que agora dorme profunda e cegamente como ciclope.

 
Autor
ferlumbras
 
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