ACIDENTE FATAL
Sempre tenho em casa uma pinga boa. Meus amigos, sabendo que gosto de uma boa cachaça, vezes em
quando me presenteiam. Ganho mais pinga que votos de saúde, mesmo estando com gripe.
Tenho um amigo do peito, que mora em Jacupiranga, no Vale do Ribeira (SP), ao lado de Registro, que
tem por hábito temperar cachaça. Ele compra cachaça direta dos alambiques artesanais que ainda tem por
lá e em casa faz suas misturas com as mais diversas ervas. E seu hobby maior. Preparar as cachaças para
presentear os amigos.
Interessante é que ele não bebe. Mas tem extremo prazer em preparar cachaça com as mais diversas ervas
e tem um controle absoluto sobre o que engarrafa, com etiquetas datando os eventos, etc. Cachaça para
ele é apenas uma cachaça.
Prá mim, ele sempre manda um garrafão desses de cinco litros. Claro que acabo dividindo com
alguns outros amigos que apreciam uma boa pinga. E esta de Jacupiranga é de primeiríssima. O tal
amigo "cachaçador", não libera nenhuma pinga com menos de 2 anos de descanso.
E sabem o que minha doce e inspiradora Sil fez esta noutro dia? Quebrou o garrafão de pinga que estava
ainda pela metade. Tentei aproveitar o máximo, mas o máximo que aproveitei foi um mínimo. Só deu
para encher um cantil de ganhei de presente do amigo virtual, mas do coração, Marcão.
Perdi minha pinga. Mas o apto está uma delícia. Um cheiro adocicado de pinga por todo lado,
encalacrado por tudo. A Sil queria fazer uma pulverização não sei do quê, para eliminar o "perfume" da
pinga, dai eu fui incisivo:
- Perdôo que tenhas quebrado o garrafão da pinga, mas eliminar o cheiro NÃO perdôo.
A vizinhança ainda não reclamou. Ainda não fui convocado para nenhuma reunião extraordinária do
condomínio, embora o prédio tenha sido infestado por uma multidão de gambás. Verdade. Vezes em
quando olho na janela e lá está um danado grudado na vidraça e olhando prá dentro com cara de pidão.
Tudo bem. Assunto liquidado. Lamentos superados. Foi-se minha pinga. O aroma gostoso está se
esvaindo. Mas todo dia dois dos gambás vêem me visitar. Comprei uma gamela e pus na varanda do apto
onde, nas noites quentes de verão, bebo em companhia dos gambás cuja amizade conquistei. Eu sentando
na minha cadeira de palha, meu copo preferido de barro cru e no chão meus amigos ficam lambendo a
gamela, olhando para mim com seus “zoinhos” agradecidos.
Ali eu olho a cidade iluminada, os montes distantes, integrantes da serra do mar. As vezes a lua vem
espiar a gente, noutras ficamos mesmo sozinhos. Quando a Sil grita lá de dentro “amor, não vem
dormir?” daí eu entro, arrastando meus chinelos e eles ficam lá, esparramados, bêbados e agradecidos
pela amizade que nos une e conforta.
Até já apelidei meus amigos. Um se chama Marcão, o outro Helvécio. Estou esperando chegar um
terceiro, cujo nome já está reservado. Embora seja gambá, terá nome de rato. Chamar-lhe-ei de Storm.
EACOELHO