Com a voracidade que nos é peculiar
solapamos o direito de outrem compartilhar
esse pequeno ponto azul que nos foi dado habitar.
Matamos bichos, árvores, águas e o próprio ar.
Agora, o Aquecimento Global sinaliza que é tempo do Homem acabar.
Pandemônio, caos, vigílias, promessas e muito rezar.
Talvez alguma religião possa nos consolar;
pastores, bispos e pais de santo põe-se a clamar:
misericórdia! Carolas gritam que é o anticristo a chegar,
imploram aos Céus, mas não descem anjos para ajudar.
Nos terreiros, os orixás não aparecem para nos salvar.
Kardecistas insistem, porém o "espírito de luz" deixou-se ficar.
Confuncionistas pregam obediência a quem for nos mandar.
Budistas afirmam que só a YOGA pode nos remendar.
E filósofos põe-se a teorizar,
enquanto os práticos põe-se a aproveitar:
bêbados a gargalhar,
loucos a dançar
e virgens a namorar.
Otimistas dirão que o copo está a transbordar.
Pessimistas, que o copo irá quebrar.
Jovens não ligam. Idosos hão de lamentar.
Militares põe-se a coordenar,
maus políticos a se locupletar
(pois a coisa pode melhorar).
Terroristas e fundamentalistas deixam de lutar.
Já não há o "Deus Certo" a quem se deve adorar.
Afinal, sem Homem, para que Deus?
Os cavaleiros apocalípticos reinam e o horror chega para ficar. Há fome, sede e peste. Nada pode sobrar, como disse Deus a Josué em nosso limiar. Os países ricos ficam a derivar, os pobres continuam a mendigar. Todos a delirar. As raças perderão do que se orgulhar. Ou do que se envergonhar. Se tudo já não têm sentido, por que sonhar? A Terra aquece e a Natura expulsa a espécie que lhe calhar. É o fim da história, da cultura, da filosofia. O máximo que se pôde criar. Do minimo, nem é bom falar.
Talvez quem nos substituir seja mais sábio. Compreenda o bicho pequeno (mestre Camões) que vive neste pátio. Ainda que imagine catedrais, contentar-se-á com o átrio. Pois saberá que um passo a mais, é invasão. Desejo sórdido, poder em vão. Co-habitará com outras espécies, mas será Senhor apenas de si. Não se rebaixará a roubar alheias messes. Constituirá, talvez, sociedades, artes e filosofia. Saberá que ao não matar, o quanto se cria. Por fim, entenderá que a morte do indivíduo não é um elo partido. É apenas a vida mudando de vestido. Será leve, diáfano tecido. Haverá, quem sabe, de viver mais sem que o seu tempo seja estendido. Também saberá que não há hierarquia, pois esta é apenas um devaneio da esquizofrenia. Admitirá Darwin, pois tudo evolui. Mas rejeitará Spencer, pois vê que sem barreiras, o rio melhor flui. E quando chegar a hora de sua espécie descer deste trem, fará de maneira sóbria, sem tamanho alarde. Saberá que tudo passa, assim como o azul de qualquer tarde.