Perdemos a voz do mar,
em outras vozes mais urgentes.
São as vozes das gentes,
longe dos cais,
marulhando fainas em gestos antigos,
grandes redes tecidas em frágeis abrigos,
remos, mastros, cordames, brandais...
São as vozes dos anzóis adentrando carnes,
sangrando enganos,
iscas chamando morte.
São as vozes das redes mais ao norte,
mais distantes a cada dia,
as velhas proas em novas rotas,
os pés descalços nos conveses,
os mesmos gelados reveses
em dores de água fria,
sob gritos de gaivotas...
E perdemos a voz doce da Terra,
no meio de tantas outras, menos cantadas.
São as vozes feias, de motores tossindo
e máquinas indo e vindo,
aplanando terras rasgadas,
entranhas em riscas intermináveis
postas a nú, impensáveis,
e águas fundas, bombeadas,
não chuvas em milagres caindo,
não forças renovadas,
nem o futuro sorrindo...
( e talvez tenhamos já perdido
aquelas vozes cantando desafios
nos rítmicos gestos das ceifeiras
dobradas sob o calor,
lado a lado, nos trigais
onde o vento,
e talvez o tempo,
desenha ondas iguais
às do mar, em outra cor,
dizendo de mil outras maneiras,
em outras tramas, de outros fios,
que o presente é já corrido,
e, o futuro, apenas dor...)
7/5/2007