Quão bom seria ter somente meus sonhos e nada além!
Nada de preocupar-me com questões financeiras,
Com expressões algébricas que calculem a minha inépcia ao mundo,
Gramáticas que demonstrem ao público a minha ignorância!
Quem me dera acordar todo dia só para os meus sonhos!
Poder sonhar que o tempo inteiro é meu,
Ser dramaturgo de um teatro imaginário
Que atue apenas em minhas fantasias,
Milhares de peças sem atores ou atos,
Mas que representem em meus delírios,
Tudo o que sinto com o mesmo grau desregulado!
E com a mesma incandescente intensidade,
Que sinto ao sentir-me nada!
Tão bom poder ser assim,
Viver a imaginar e nunca descobrir
Quão lindas são as rosas d'outro lado de minha rua!
Aquelas que nunca irei ver,
Que sequer desejo saber se realmente existem!
Que o tempo seja sempre essa minha ampulheta
Que controlo com os dedos da mão!
Eternamente esse dia repetindo-se, que perfeição!
Eu e minha chuva imaginária caindo o tempo inteiro,
Pintando com água minha arte abstrata,
Que me traduz melhor que duas ou três palavras latinas,
Na tela vidraça da janela.
Quem me dera, pelos séculos dos séculos,
Jamais morrer, só para poder imaginar
O quanto me ama a pessoa que admiro em segredo!
Imaginar se ela pensa em mim ao menos um décimo do que penso nela!
Morrer de amor como se morre afogado:
Sem ar, sem reação, sem dor, somente pensando!
Ah, como seria bom ter por companhia apenas os meus papéis!
Restos de jornais que sempre releio,
Livros que jamais lerei com os olhos,
Escritos e rabiscos sempre sem sentido!
Ou meus discos que sequer oiço com ouvidos!
Serei sempre esse bardo d'um reino desconhecido pela História,
Hermético como o Deus dos deuses!
Ulisses de minhas próprias Odisséias,
Autor d'Obras Poéticas que nunca escreverei,
Hamlet sem plateia alguma no mundo,
Além dos autores que me espreitam
De soslaio, má-vontade e monóculos,
Das estantes empoeiradas de minha biblioteca!