Poemas : 

Caminhante

 
Caminhante

(À memória de Herman Hesse)

Oh, meu velho, como disseste,
Demorei a entender tudo.
Foram necessários muitos passos,
Muito sol
E muitas lágrimas até chegar neste
Lugar onde calmamente me falavas.

Não sabes,
Meu velho, como envelheci também.
Tu, se pudesses me ver agora,
Se pudesses me ouvir agora,
Talvez chorasse.
Mas não sou triste, guru.

Tudo, tudo como pregaste!
Depois dessa longa caminhada,
Não sei aonde cheguei e, como vês,
Entendo dessa vida.
Porém, guia-me de onde estás e não me
Deixa fechar os olhos à utilidade
Dessa compreensão.

O que fazer com essa luz, luz sem
Brilho, refratada?
Nenhum homem pode compreender
Sem, no mínimo, três mortes.
Tu te lembras?
E o que viemos a ser depois dessas
Perdas?

Eu me lembro, jovem, perguntando,
Mas tu sempre me dizias que esperasse,
Pela água vêm as respostas,
Que quando soubesse estaria pronto.
Ah, se tu mo tivesses dito!
Meus pés não estariam tão sofridos,
Nem meus olhos tão caiados.

Hoje, depois de tanto tempo que
Deixaste-me, lembro de ti,
Da tua simplicidade,
Da tua tranqüilidade
E percebo,
Meu velho, que ainda não estou pronto.

Tenho medo do que estar por vim,
Tenho medo daquela sombra que,
Silenciosamente, se aproxima,
Da falta de continuidade.
Tudo me assusta.

Por que o desgarramento do todo?
Todo homem torna-se uma ilha
Depois de um certo passo involuntário.

Quem pode penetrar nesta
Penumbra em que me tornei
E, de lá, tirar as
Palavras que não sei?

Não posso fazer-me inteligível,
Triste ironia, eu que sempre sorria
Da tua falta de jeito com elas, as palavras,
Falando de coisas que eu outrora
Não podia entender, agora, veja só,
Não sei me fazer compreensível!

Sei, meu velho, que não podes entender-me,
Seria gentileza dizer o contrário.
Tenho consciência de que caminhamos
Rumo ao completo desentendimento,
Para a tristeza e solidão profundas,
Em fim, para o silêncio absoluto,
Para a ilha da qual não escapou o poeta.

Adeus meu velho, a mim não me resta
Outra coisa além de te seguir nesta
Estrada,
Nesta longa estrada em que um dia
Te perdeste...

 
Autor
sebastiaoalves
 
Texto
Data
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1917
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Enviado por Tópico
TrabisDeMentia
Publicado: 14/07/2006 18:34  Atualizado: 14/07/2006 18:34
Webmaster
Usuário desde: 25/01/2006
Localidade: Bombarral
Mensagens: 2335
 Re: Caminhante
Este poema faz a ponte entre todos os seus poemas. "Seu velho", seu "passo involutário", as palavras... E essa estrada?
Hum... É sempre dificil comentar algo pessoal assim...

Enviado por Tópico
Dionísio Dinis
Publicado: 05/11/2006 15:41  Atualizado: 05/11/2006 15:41
Da casa!
Usuário desde: 15/04/2006
Localidade:
Mensagens: 203
 Re: Caminhante
Caminho sobre as águas, com o sol no olhar, revelador, e na mente levo presente estes seues belos versos!Parabéns.

Enviado por Tópico
Morgana
Publicado: 07/03/2007 21:05  Atualizado: 07/03/2007 21:05
Participativo
Usuário desde: 06/03/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 20
 Re: Caminhante
Um caminho longo cheio de sombras e contra luz. Um caminho feito de perdas e de encontro.Um caminho que se perde no horizonte e se retroalimenta da nossa alma aprendiz
Morgana

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/02/2015 01:18  Atualizado: 02/02/2015 01:18
 Re: Caminhante
Um canto de amor tão lindo!
Amei a leitura

Abraços