Varro a noite em gestos baços na procura breve de já ser dia.
Aspiro do pomar ao lado o aroma perene de maçãs, de laranjas, de romãs.
A lavra recente solta para o ar o bafo da terra quente.
A nogueira eleva braços ao ar, agita-se em ansiedade humilde de te abraçar. Um fruto cai, é noz aberta, casco de barco, em busca do aconchego decifrado do teu mar.
Noz quebrada, rebola no negro da noite e encontra o gelo do alcatrão da estrada.
Abro as portadas, afasto as rendas das cortinas, desembacio janelas.
Atento com mil cautelas no peso dos passos cansados dos guardadores de sonhos e de gado.
A montanha aguarda-os.
A montanha aguarda-nos, pastores de longa jornada.
É prato lauto, d’erva tenra, macia, aspergida - é cidadela fortificada na unidade da vida.
Bebe-nos a essência, roubando, no desafio de comum medo, em recato e desejo segredado, um a um, lentamente, devagar, todos os beijos demorados no cetim do nosso olhar.
O Sol pesponta, tímido garoto. Tremeluzente, solta os cabelos revoltos p’los montes. Ao longe e logo aqui, a fraga secular refulge evidente na pigmentação d’azeviche.
Desacatamos ventos, impomos ao tempo um tempo recluso de ternura e de acalmia.
Cinjos, unos, voamos d’asas fincadas na proa das madrugadas, por sobre vales, mares maiores, rios e fontes. Seguimos a rotas das ondas, a quentura das correntes,
sem promessas,
sem bússolas, ou sextantes,
sem guias que não sejam o rasto de comum memória.
Estrelas mareantes, dizemos amor na forma pura. Dizemos amor em leitos vastos e abertos. Em estrados aplanados de crença e de candura. No sal da pele, d’alvoroços acordados.
Enrodilhada na cadeira de baloiço oiço agora o sino d’aldeia, os zumbidos das obreiras, o bulício da colmeia.
E na manhã das horas tu chegas e escreves na tua ausência
o memorial da nossa história.
Chove. Chove agora.
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