Transitas tonto,
Febril e mudo
Num dia grávido
De ardor e pressa.
És nau sem mastros
Dos vãos e ruas
De esquina e beco
No oblíquo muro
Que torna tudo
Um texto em braile,
Um caos de casas
Em mil vielas
Também caóticas,
Estranho texto
De origem bárbara
E lido só
Por quem habita
As tais vielas,
Os tais casebres
Que, em meio à rixa,
Disputa e socos,
Procuras sempre,
Acerca deles,
Tal qual filólogo,
Tal qual legista
Baixar juízo
Que acalme angústia
De quem não lê
Esquiva língua
De corpo vivo,
Feroz, barroco.
Portanto, lê-lo
Num breu terrível,
Cruzar seus lares
E tantos mares,
Sem mastro ou lentes,
Te deixa assim,
Tão só, perdido,
Sem luz, no muro
Atrás de porto,
Verbete ou livro
Que te traduzam
Tecido raro.
Porém, encontras
Fuligem densa
E vil desordem,
Estranha língua,
Bravio corpo
Que só entendes
No teu silêncio
De noite e eco,
Perdido algures.
E o que desejas
É tão somente
Rossio calmo,
Profundo e largo,
Em que tu possas
Achar abrigo,
Remanso tênue
De estio e noite
Que o fero pego
Converta enfim
Em rasa poça,
Mar seco e manso –
Cidade, língua
E um corpo lasso,
Que te revelem
Ser que reluz:
Canto e amavio.