hoje desisti dos outros
coloquei o mundo entre parênteses
e joguei as chaves fora
desperdicei todas as horas
duma vez por todas
deixei só o eterno
o pra sempre e o sem fim
do lado de dentro
do meu universo
em órbita na luz de brahman
despedacei meus castelos
apaguei meu nome do livro da vida
pus fogo em clepsidras e ampulhetas
coloquei reticências no meu dia-a-dia
prometi chorar fogo das veias
jurei que erraria sempre que possível
e pra isso fiz um acordo comigo
selei a paz com a língua
como cartas
que enviei para todos os meus amores
na ilha dos bem aventurados
(e eu, onde estarei?
no máximo no inferno
ao lado de Camões)
apaixonei-me por deus
setenta vezes sete
previ o fim do mundo
como nabucodonosor
fiz versos pra olhos
que nunca olharam os meus
acreditei nos campos elíseos
tive horas em que fui brahma
noutras destruidor
mas no fundo mesmo
sou buraco negro
num poema de Rimbaud
após tudo
sobrou apenas Nix
e minha mente inquieta
numa noite longa
torcendo pro poema terminar
como os meus dias:
inesperadamente vem o sono
e eu nunca lembro quando
nem porque veio
só sei que é dormir
sensação de nirvana
daí o poema cai no chão
quebrando-se feito vidro
cacos e sangue por todos os lados
formando uma nova constelação
ou versos de Emily Dickinson