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Gregas Tragédias - HÉCUBA

 
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Eurípedes – 485/406 – Salamina

Época da Ação – Idade heróica da Grécia.
Cenário – uma praia do Quersoneso Trácio (península a oeste do Helesponto), vizinho à
Tróia, onde as naus gregas se detiveram após a vitória para cumprir o sacrifício exigido pelo espírito de Aquiles. Ao nascer do sol, no fundo as tendas das troianas feitas escravas, ao lado a tenda de Agamêmnon e no alto, com o uso de cordas, o espírito de Polidoro.

Personagens:

1.Agamêmnon – chefe supremo das forças gregas.
2.Coro – das mulheres troianas, escravizadas pelos gregos. Escrava.
3.Hécuba – viúva de Príamo, o rei de Tróia.
4.Odisseu – rei de Ítaca e um dos chefes gregos. Ulisses, em latim.
5.Polidoro – fantasma – filho de Hécuba e de Príamo.
6.Poliméstor – rei do Quersoneso da Trácia, nas cercanias de Tróia.
7.Políxena – filha de Hécuba e de Príamo.
8.Taltíbio – arauto dos gregos.

Sinônimos:

1.Gregos = helenos, aqueus e argivos.
2.Troianos = frígios
3.Tróia = Ilíon (donde Ilíada, de Homero) e Frigia.

Há alguns anos, montou-se uma encenação dessa Tragédia que percorreu grande parte do Brasil. Após a excelente representação, abria-se o debate entre platéia, mediadores, atores, atrizes e diretores sobre a questão: vingança ou justiça. E muita conversa se viu, sem que se chegasse a um denominador comum. Afinal, na ótica de muitos (inclusive desse escrevinhador) usar eufemisticamente o termo “justiça” para acobertar o desejo por vingança é apenas uma das hipocrisias que permeiam nossa sociedade. “Justiça” representa a equidade, o equilíbrio. “Vingança”, o desejo de revanche. Coisas diferentes, como são os sentimentos que ambos representam. E se assim não fosse, como explicar que ao invés de se construir Centros que reabilitem efetivamente os autores de crimes, constroem-se masmorras onde os mesmos são brutalmente castigados. Contra os criminosos não se quer justiça, quer-se vingança. A mesma que Hécuba pediu e que agora vem disfarçada em conceitos ditos civilizados. Porém, despida a máscara da hipocrisia, vemos que Hécuba nos mostra o que somos. O que, ainda somos.

O livro ou a peça começa com o monólogo do espectro de Polidoro, que entre lamentos conta sua curta vida e sua recém morte: quando Príamo viu que Tróia poderia cair, mandou seu filho mais novo, Polidoro, para viver em refúgio na corte de Poliméstor, na vizinha Trácia, a quem julgava seu amigo. Junto mandou um vasto tesouro para que sua estirpe sobrevivesse e tivesse uma fortuna para amparar seu novo crescimento e pudesse recuperar a Casa Real de Tróia. Enquanto as forças troianas, lideradas por Heitor, enfrentavam com êxito as tropas gregas, Polidoro foi bem tratado por seu anfitrião, mas bastou Príamo e Tróia caírem para que fosse assassinado pelo mesmo, interessado em seu tesouro.
Insepulto Polidoro, sua alma vagava sem descanso. E foi nessa condição que se apresentava em sonhos à Hécuba. Porém, após muito rogar, conseguiu a anuência do deus Hefesto para apresentar seu corpo mutilado à mãe no intuito de que lhe fossem dados os ritos necessários à sua passagem definitiva para o Hades, onde descansaria enfim.

Os jovens mortos pela Ditadura, na década de 1970, foram enterrados anonimamente. Mais de trinta anos depois, suas famílias não medem esforços para encontrar seus restos mortais e lhes dar um sepultamento digno. Essa carência de se enterrar os entes queridos com rituais apropriados, de alguma forma traz alguma paz aos que sofrem com sua ausência. Na Antiguidade, berço dessa tradição, além da paz dada aos que enterram essa ação dava ao morto o direito de gozar seu descanso eterno. Nota-se, pois, que tanto naquela época, quanto agora, o sepultamento é um sentimento tão arraigado que alguns eruditos o classificam como o divisor da civilidade e da barbárie. Voltaremos ao assunto.

Prossegue Polidoro narrando o fato dos gregos ainda estarem em Tróia para atender ao desejo de Aquiles, de ser homenageado com o sacrifício de uma jovem virgem troiana. No caso, sua irmã Políxena, em pira fúnebre. Sacrifício a ser executado no mesmo dia em que daria à praia os restos mortais do narrador. Dupla e excruciante dor para Hécuba, que chorará a morte de mais dois filhos.
Hécuba, nesse momento conclama outras troianas a lhe ajudarem a erguer-se, enquanto chora a baixa condição a que foi lançada: de rainha à escrava. Lamenta-se e suplica a Zeus que afaste os pesadelos a que vem tendo com Polidoro, à derradeira esperança de um dia a Casa Real de Príamo ser restaurada. Ainda ignorando o assassinato do filho, roga que Poliméstor zele por ele. Também pede ao “Pai dos Deuses” que interceda a favor de Políxena e conta como se acelera o coração, oprimindo-a junto com a má intuição de novas desgraças. Lamenta que Cassandra e Heleno, seus filhos capazes de profetizar, esteja mortos ou inacessíveis, pois eles poderiam decifrar os maus agouros que a perseguem.

Sabe-se que Cassandra foi tomada como concubina por Agamêmnon. Sobre Heleno, sabe-se que foi aprisionado pelos gregos após ter lutado com valentia, tomando o lugar que fora de Heitor. Ambos receberam de Apolo o dom das profecias, mas as feitas por Cassandra não eram acreditadas, como castigo por ela ter-se recusado ao deus Sol.

Na seqüência o Coro, formado pelas mulheres troianas, toma a cena e conta a Hécuba o que ouviram nas tendas de seus novos Amos: depois de acirrado debate entre os mesmos, ficou decidido sacrificar uma jovem à memória de Aquiles, cujo espectro controlou os ventos impedindo que as naus zarpassem antes de cumprir o que ele exigia. Graças a Odisseu, que desempatara o pleito, convencendo a todos com sua proverbial habilidade, a escolhida foi Políxena, pois segundo ele, só uma jovem de alta estirpe estaria à altura de um herói como Aquiles. Contra o sacrifício estava Agamêmnon - talvez por influência de Cassandra – e a favor do mesmo estavam os filhos de Teseu, Acamas e Domofon.
Assim, mãe Hécuba, dizem-lhe, agarre-se aos joelhos de Agamêmnon e peça-lhe que não permita o sacrifício de sua bela filha. E implore aos deuses e até aos entes infernais, que não deixem tal horror acontecer. Vá, rainha, não demorará Odisseu vir para arrebatar-lhe a filha querida. Vá Hécuba!
Atônita, desesperada, ferida, Hécuba clama a sua impotência, seu desamparo. O horror do seu cativeiro, de sua solidão. Morto o marido, mortos os filhos, derrotados os súditos e distantes os deuses; quem a defenderá?
Trôpega, cambaleante, sob o peso de tantas desgraças, dirige-se à tenda de Políxena que a atende trêmula e temerosa. Indaga da mãe o que a traz naquele estado, por que tamanho desespero? Hécuba vê no temor da menina uma intuição sobre a desgraça porvir, mas Políxena diz que seu medo e seu pranto são motivados pela vida miserável que a mãe agora leva e não por ela mesma. E Hécuba retruca o mesmo: chora por Políxena, sua filha imaculada. Políxena, então, pede-lhe que diga a verdade sem rodeios, pois sente seu medo crescer com o silencio da mãe e Hécuba lhe fala que os gregos decidiram que a sacrificarão sobre o túmulo de Aquiles...

É deveras importante a observação de Bertolt Brecht (1898-1956) sobre o cozinheiro de Alexandre, o Grande. Tomando tal anedota é possível refletir e imaginar o tamanho de cada tragédia pessoal e familiar que se oculta sob a lápide fria das “execuções”, “sacrifícios” e quejandos. Quanta dor fica represada e escondida pelos números que fazem a História? Seria possível mensurar quantas lágrimas anônimas foram derramadas e desdenhadas?

Após ouvir os terríveis detalhes de sua execução, Políxena tenta consolar a mãe, lamentando tão duro fim de vida. Sobre sua morte, não se queixa, pois a prefere ao invés de uma vida de escravidão.

Esse tema, a Eutanásia, ultimamente veem freqüentando algumas rodas. Uma vida miserável, sofrida, dolorosa, sem expectativas de melhora é preferível à morte? É um assunto controverso que não será esmiuçado aqui, limitando-nos ao registro de sua atualidade. Há milênios é um assunto que ronda a Humanidade.

Pouco depois, o Coro alerta as duas sobre a chegada de Odisseu, que logo se dirige a Hécuba informando-a que levará Políxena para ser sacrificada no túmulo de Aquiles, por Neoptólemo, o filho do herói. Aconselha-a a não se rebelar, pois em sua mísera condição tal reação seria insensata e inútil.
Entre lamentos por ter sobrevivido aos filhos e por ser alvo de tantas desgraças, Hécuba invoca o direito dos escravos fazerem perguntas aos Amos. Após a concordância de Odisseu, indaga-lhe se ele recorda-se de quando veio espionar Tróia e ela, apesar dele ter sido reconhecido por Helena sob os andrajos do disfarce, deixou-o ir, salvando-lhe a vida? E lhe indaga-lhe se não se considera um malvado que só faz o máximo de mal. Tu, prossegue, és um Sofista e como os outros, atrás das belas palavras só a Maldade traz. Porque veja, o que haverá de útil para os gregos no assassinato de minha filha? Não seria possível sacrificar um boi? Será Aquiles quem pede o sangue de quem o matou? Mas, se é assim, por que matar essa inocente, que nem participou da guerra? Por que não sacrificar Helena, a verdadeira culpada pelo conflito? Seja justo Odisseu! Lembra-te que já tocastes minha mão pedindo clemência. Agora sou eu quem te pede indulgência, que cobra a bondade que tive contigo. Não me tires Políxena, pois ela é a alegria que me restou. É o meu consolo, o meu bastão de apoio. Convence os outros gregos da impropriedade de assassinar uma inocente.

Note-se nesse discurso de Hécuba o seu egoísmo sem recato. Ao invés de dizer que Políxena deveria ser poupada por ser jovem, por ter a vida pela frente, etc. ela só diz o quanto a filha lhe fará falta. Interessa-lhe antes de tudo o seu conforto, o seu arrimo. Pensa primeiro que perderá seu bastão, sua guia etc. E nem lhe passa pela consideração respeitar a decisão de Políxena que prefere a morte a uma vida de escravidão.

O Corifeu, representando a líder das troianas, dirige-se a ex- rainha e busca consolar-lhe dizendo que Odisseu atenderá suas súplicas.
Mas Odisseu toma a palavra e diz a Hécuba que não pode alterar o que antes já estava decidido: uma princesa troiana seria sacrificada em honra do herói incomum; e justamente por ser incomum, o maior guerreiro grego, é que a Aquiles o sacrifício não poderia ser vulgar, igual ao que é dado a qualquer medíocre. E se assim não fosse feito, como se iria, no Futuro, conseguir reunir novas tropas em caso de necessidade? Quem se disporia a morrer pela pátria, ou por seu rei, sabendo que sua valentia, que seu denodo não seria convenientemente reconhecido? Ele mesmo não se incomoda com uma vida frugal, mas deseja no seu túmulo todas as honras, pois são essas as perenes. Por fim, diz a Hécuba que dor como a sua, mães, pais e esposas gregas estão sofrendo, pois este é o verdadeiro preço da guerra.

Observe-se que a importância dada aos funerais liga-se à idéia da “vida após a morte”. Essa crença, certamente, foi o alicerce da futura teoria da transmigração das almas, colocada pelo filósofo Pitágoras e, depois, por Platão, após seus estudos na Índia donde absorveu os conceitos superiores dessa matéria no Hinduísmo. Como se sabe, a crença na vida após a morte continua nos dias atuais, mas os detalhes divergem entre as correntes religiosas. Católicos creem no Paraíso, no Inferno; espiritualista, em Karma, reencarnação, espíritos etc.

Após rápida lamentação do Coro, Hécuba diz a Políxena que seus pedidos foram inúteis e que ela deveria pedir clemência a Odisseu, pois talvez ele se condoa de sua sorte. Mas ela diz a Odisseu que sossegue, pois não lhe pedirá a salvação. Diz que deseja a morte, preferível aos horrores da servidão. Que aceita seu Destino e se livra das acusações de covardia que alguns poderiam impingir-lhe (censura à Hécuba?). Que morrerá feliz, ante a possibilidade de se tornar uma reles escrava. Ela, que já foi uma das mais desejadas princesas de Tróia e prometida a tantos Príncipes poderosos não consegue admitir que doravante seja forçada a amassar o pão, varrer um chão, deitar-se com um homem que não deseja. Não! Que lhe matem, pois já não há felicidade em sua vida.

Note-se o quão arraigado era a idéia do “Direito Divino” na Antiguidade. Talvez até mais que nos dias atuais. Para Políxena e outros, os dias felizes não ocorriam por méritos próprios, mas sim pela dádiva dos deuses. Era inerente à cultura da época essa “eleição divina” em que alguns felizardos eram premiados. Era uma crença geral e isso legitimava essas felizes condições. Atualmente esse comportamento prossegue, mas dirigido mais à fortuna que ao Poder. Herdeiros não questionam a legitimidade de uma fortuna que lhes chegou sem sacrifício.

Na seqüência, Políxena dirige-se à mãe e lhe pede que não tente demover-lhe do desejo de morrer, pois tudo que disse ao carrasco grego não poderia ser refutado por ninguém. Nem por Hécuba.
O Corifeu entendendo que ela preferia a honra a uma vida abjeta saúda sua nobreza de caráter.
Hécuba retoma a palavra e também elogia o nobre discurso da filha, mas ainda roga a Odisseu que lhe mate em lugar da menina, pois ela também seria uma vitima importante na medida em que foi de si que nasceu Páris, o matador de Aquiles. Mas Odisseu reafirma que o fantasma do herói exigia o sacrifício da filha e não o da mãe; e como Hécuba insiste para que lhe matem junto, o rei de Ítaca contra-argumenta dizendo que o derramamento de sangue seria excessivo, pois até a morte da Princesa lhe é indesejável.
Pode-se questionar a sinceridade do desejo de morrer que Hécuba demonstra, pois se tal fosse real ela poderia suicidar-se.
Hécuba, em desespero, tenta agarrar-se à filha e persiste na negativa de vê-la caminhar para a morte. Mas a própria Políxena lhe pede que cesse seu arroubo, pois é inútil e só retarda o inevitável. Que Hécuba mantenha a compostura e se despeça de modo suave, pacificador. Que não lhe dê mais esse desgosto na hora de morrer. E saem Políxena, Odisseu e os soldados. Resta Hécuba caída ao solo. Entre as lamúrias que chora, não deixa de maldizer a Helena, a quem debita a culpa exclusiva, segundo ela, de tanta dor.

Raiva compreensível, mas talvez injusta. Se Helena errou ao trair o marido, se Páris errou por tê-la levado para Tróia, também erraram todos eles que permitiram a situação. Mesmo Hécuba é grande culpada na medida em que: se foi desinteressada em defender Páris quando ele foi condenado à morte, por seu marido e pai do menino, enquanto bebê, nada justifica que ela o defendesse em adulto e em falta evidente, cujo resultado nefasto para todos os troianos inocentes poderia ser esperado. Adiante veremos que talvez Eurípedes tentou repassar essa culpa aos deuses, suavizando a dos humanos.

O Coro, agora representando todas as cativas troianas, entoa triste lamento por Políxena e pela longa viagem que farão até as casas de seus novos Senhores. Entre os tristes cantos, adentra à cena Taltíbio, o arauto grego, que pergunta por Hécuba. Espantado pela prostração da mesma, horroriza-se ainda mais com seu aspecto deplorável. Dirige-lhe um pedido enérgico para que mantenha alguma dignidade e a anciã, sem lhe conhecer, indaga-lhe quem é; por que interrompeu suas tristes lamentações. Responde-lhe Taltíbio anunciando uma nova ordem de Agamêmnon para levá-la à sua tenda. Crente que seria para executá-la, Hécuba apressa-se em ir, bendizendo aquela ordem, mas ante a tácita negativa do arauto ela lhe pede que conte como se deu o sacrifício da filha. E ele conta da altiva coragem mostrada pela menina ante a morte, o quê comoveu até aos gregos que lhe prestaram homenagens dignas dos campeões. Também Hécuba elogia a altivez da Princesa, dizendo que sua atitude chega a lhe suavizar a dor pela perda. Em seguida pede ao arauto que diga aos gregos que se afastem do corpo de Políxena, pois ela é quem fará suas exéquias. Que não a profanem e se afastem do local para que más intenções não se sobreponham à decência. Taltíbio parte para executar o pedido que lhe foi dado quase que em tom de ordem. Prossegue Hécuba seu discurso dizendo em tom imperativo a uma ex-escrava que apanhe água no mar para purificar o cadáver e fazer as libações. Diz que tudo fará para lhe dar os melhores adornos e pede às mulheres que furtem de seus Senhores gregos tudo que puderem para ornamentar Políxena. Na seqüência volta a lamentar a perda de seu Palácio e de suas riquezas.

Observe-se que Hécuba ainda usa o tom imperativo de sua condição de rainha. Hábito tão arraigado quanto o da servidão, mostrado por sua ex-escrava e até pelo arauto grego. Atualmente comportamento análogo pode ser verificado na seguinte situação: alguém que execute funções consideradas subalternas atende sem rancores as ordens dadas por quem considerem ricos, poderosos etc. Porém, revolta-se se as mesmas ordens forem dadas por quem considerem “de seu nível”.

O Coro assume a cena e chora o fato de que um julgamento fútil entre três deusas (sobre quem seria a mais bela), feito por um mero pastor (Páris antes de ser reconhecido por Príamo e agraciado com o amor da mais bela mulher do Mundo, Helena) resultasse na queda de Tróia, na matança dos troianos e na escravização das troianas. E, também, em tanto luto entre as gregas que perderam maridos, filhos, irmãos.

Talvez aqui, Eurípedes tente lançar a culpa da guerra nos deuses, ou mais precisamente naquelas três deusas, com o intuito de amenizar a culpa dos humanos. Recurso que ainda hoje é utilizado quando os atos irracionais e nefastos são debitados à “Vontade de Deus”.

Nesse momento a ex-escrava volta à cena puxando um cadáver encoberto. Titubeante, mostra o corpo de Polidoro; Hécuba se prostra ante a nova e inesperada tragédia; transtornada clama aos Céus e em seu desespero interroga ao falecido quem o matou, como se ele pudesse responder. A ex-escrava conta-lhe que retirou o corpo do mar quando buscava a água necessária para os ritos a Políxena. Informação que serve para confirmar à troiana a validade dos pesadelos a que vinha tendo com o filho mais novo. E também para lhe assegurar que o assassino fora Poliméstor que assim se apoderava do tesouro troiano.
Suas tristes lamentações são interrompidas pela chegada de Agamêmnon que lhe indaga sobre o motivo de ainda não ter sepultado o corpo de Políxena, vez que suas solicitações foram atendidas. A resposta, contudo, ele logo adivinha ao ver o corpo de Polidoro. Centrada em sua dor, Hécuba continua o monólogo sobre suas desgraças enquanto analisa a conveniência de pedir a Agamêmnon que vingue a morte de Polidoro. E quando o Atrida faz menção de se retirar, ela decide arriscar o pedido, pois ele é sua única esperança de revanche. Invocando a mão direita, o joelho e o queixo do grego (como era o hábito da época) ela faz o pedido por vingança, desdenhando até da liberdade que Agamêmnon sugere poder lhe dar. Prosseguindo, Hécuba conta-lhe a história de Polidoro e o Argivo lamenta com sinceridade os sofrimentos da anciã que reafirma suas súplicas, alegando inclusive que o concubinato dele com sua filha, fazem-no uma espécie de “cunhado” do falecido.
Nisso o Corifeu comenta que as “Leis Divinas (ou da Natureza)” reduzem os atos e as disposições dos Homens a nada. (Terremotos, Tsunamis e outros cataclismos assim o comprovam) Ante tais “Leis Superiores” inimigos se juntam para combater um terceiro, provando que o Homem não passa de mero fantoche dos deuses (ou do Destino, ou das circunstâncias).
Agamêmnon reafirma sua pena por Hécuba, mas pondera que o rei Trácio é visto como amigo pelos outros gregos, enquanto que seu filho, troiano, é visto como inimigo por seu exército. Desse modo não poderia executar a vingança sem se indispor com suas tropas. E também por temer ser acusado de tendencioso, por vingar o irmão de sua concubina. Hécuba lhe pede então que apenas se omita sobre os fatos futuros. Ela entende as suas razões, pois sabe que nenhum mortal é verdadeiramente livre; suas vontades e atitudes são sempre limitadas pela conjuntura dos fatos. Na seqüência responde à pergunta de Agamêmnon explicando-lhe como executará sua vingança contra Poliméstor, confiante que as mulheres troianas unidas terão força suficiente para tal feito. Enfim, pede-lhe que garanta a ida de uma de suas auxiliares para chamar o rei, dizendo-lhe que tem um assunto a tratar com o próprio e que será de seu interesse; e que garanta a chegada deste, ao acampamento das cativas; também lhe pede que aguarde um pouco mais para o funeral de Políxena, já que ela quer enterrar seus dois filhos juntos. O Atrida consente e autoriza seu desejo.
O Coro assume a cena e canta como foi a noite em que os gregos adentraram a cidade, através do Cavalo de Madeira, mataram os troianos e aprisionaram as troianas. Ao lamento se junta o ressentimento contra Helena e Páris, acusados de serem os culpados pela queda de Tróia.

Observe-se que esse ressentimento, novamente, é exposto e se vê que era generalizado contra o casal. Seria o caso de o Povo assumir como “Verdade” a versão dos governantes?

Nisso chega Poliméstor, com seus dois filhos e com sua escolta, conforme o chamado de Hécuba. Ignorando que o assassinato de Polidoro já era sabido pela troiana, ele saúda a ex-rainha como se ainda fossem amigos e deplora cinicamente suas tristes condições.
Hécuba mantém a farsa e diz que se sente constrangida por sua miséria, não conseguindo sequer fitá-lo. Pergunta-lhe o rei sobre o assunto que a fez chamá-lo e ela diz que é restrito a ele e aos seus filhos e lhe pede que dispense a escolta, no que é atendida prontamente. Em seguida, pergunta-lhe sobre seu filho que está aos cuidados do Trácio e ele responde hipocritamente que está em excelente condição, assim como a integridade do tesouro. Hécuba ainda prossegue a farsa aludindo a um eventual tesouro escondido em local secreto, mas que ele terá acesso, pois é de confiança. Também diz que lhe dará suas riquezas pessoais, escondidas em sua tenda, e a ganância do rei incumbe-se de levá-lo, e os filhos, para o interior da morada.
Pouco depois se escutam os gritos pavorosos de Poliméstor que se queixa de ter sido cegado, enquanto seus filhos eram assassinados. Brada o mutilado rei que lutará contra suas ofensoras com o máximo denodo possível, mas o Coro conclama as outras mulheres troianas a se juntarem às que estavam na tenda, para auxiliarem Hécuba a escapar da cega fúria do Trácio. E Hécuba sai para evitar um golpe dado ao acaso pelo rei e incita às mulheres a terminarem o que começou. Que o massacre dos Príncipes fosse completado.
Poliméstor, cego, sai tateando o caminho e Hécuba dirige-se ao Coro confirmando a mutilação no rei e a morte de seus filhos. Resta ao rei lamentar-se e com o tato buscar uma trilha que o leve às troianas e à vingança. Ao ouvir passos se prepara para saltar sobre as inimigas, mas a lembrança dos corpos dos filhos o detém, pois ele teme que se abandoná-los as troianas irão desmembrá-los e dar os restos aos cães. Tenta voltar à tenda e grita por socorro ao seu exército e ao exército grego, mas como não tem nenhuma resposta de imediato.
Na seqüência, Agamêmnon volta à cena com sua escolta, dizendo ter ouvido os gritos de Poliméstor. Tão altos que se as muralhas de Tróia já não estivessem caídas ele temeria novo ataque dos frigios. O Trácio reconhece sua voz e conta-lhe que ao entrarem na tenda foram ludibriados pelas mulheres que com falsidade seduziram seus filhos até os matarem; enquanto ele teve os olhos perfurados pelos alfinetes de suas túnicas.
Agamêmnon dirige-se à Hécuba, que estava nas proximidades, censurando-lhe a ousadia de ter cometido tais crimes. Poliméstor, ao saber de sua proximidade, tenta feri-la, mas em vão. Agamêmnon lhe pede que abandone seus bárbaros costumes de vingança e escute antes de agir, pois ele irá ouvir as duas partes para julgar corretamente a questão.
Diz-lhe Poliméstor que matou Polidoro por temer que ele se tornasse poderoso e recriasse a grandeza de Tróia. Com isso, talvez, tentasse vingar-se dos gregos, os quais, por sua vez, poderiam retornar à região exaurindo seu País novamente, através dos sucessivos saques em suas plantações e rebanhos para alimentar os exércitos, tal como fizeram nas duas expedições contra Tróia. Ou, mesmo que Polidoro não buscasse vingança, poderia ser alvo dos gregos que temeriam deixar viver um descendente de Príamo, causando os atos nefastos, que expôs acima, aos vizinhos de Tróia, com nova guerra.
Hécuba toma a palavra e se dirige a Poliméstor dizendo que sua versão é falsa, pois se ele queria prestar um serviço aos gregos, por que ele não matou o menino enquanto Príamo e Heitor ainda viviam? Sua covardia não lhe permitiu? O real motivo foi mesmo a sua cobiça pelo ouro que Polidoro guardava. E se ele fosse tão leal aos gregos, como disse, por que não dividiu ou ofertou esse ouro aos seus ditos amigos? Dirigindo-se a Agamêmnon, Hécuba continua seu arrazoado dizendo que se o Atrida apoiar o assassino será considerado malévolo, pois apoiaria quem foi infiel aos deveres dos anfitriões e desprezou a Justiça dos deuses e dos Homens.
Agamêmnon retoma a palavra dizendo da dificuldade de avaliar os erros alheios, mas que julgaria atos tão extremos. A Poliméstor diz que não acredita em sua versão e crê que seu motivo era mesmo só a ganância. Também lhe diz que faltar aos deveres dos anfitriões é um crime grave na Grécia, não podendo ser perdoado.
Poliméstor lamenta sua decisão e o fato de ter sido vencido por uma mulher reduzida à escravidão e diz que chora pelos seus olhos e por seus filhos perdidos.
Hécuba replica que também chora seus filhos mortos, mas que se alegra por sua vingança ter atingido quem lhe fez tamanho ultraje.
A altercação entre ambos prossegue e Poliméstor profetiza que ela nem chegará à Grécia, pois antes, o deus Dionísio a transformará em cadela. Também profetiza que Cassandra morrerá em breve, como predisse o Oráculo do deus citado. A Agamêmnon, o Oráculo diz que ele morrerá tão logo chegue à casa pelas mãos da própria esposa. Agamêmnon invoca a proteção dos deuses, enquanto o Trácio continua com seus vaticínios irritando o chefe grego. Ultrajado, o Aqueu manda seus soldados levarem-no para algum lugar deserto. E ordena que Hécuba sepulte seus filhos e se apronte, pois como o Coro, ela deverá se apresentar ao seu Amo, já que o vento favorece a partida rumo à Grécia. Tróia deixou de existir.

Em 1870, Henrich Schiemann dirigiu-se à Turquia atual e através dos relatos de Homero, na Ilíada, iniciou uma escavação que resultou na descoberta das ruínas de Ilion e do tesouro de Príamo. Por ter cometido erros metodológicos, a descoberta de Schiemann recebe criticas de vários eruditos, mas é inegável que a cidade de Tróia não é uma fantasia do poeta grego. Em relação à Guerra, acredita-se numa licença poética de Homero.

Rio, 17/03/2011


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FabioVillela
 
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