Reinvenção
Entregar-se às circunstâncias, fechar os olhos,
Respirar fundo e deixar-se ir. Será?
Como um náufrago, que extintas,
As últimas gotas de água doce,
Deita no fundo do barco e espera,
Espera que os ventos desdobrem os vagalhões
Que hão de transformar tudo em espuma?
Não.
Eu vou tirar das pedras o último sentido.
Procurar entre os despojos,
Uma boneca sem braços, um caderno usado,
Uma tesoura enferrujada,
Um bolso que dê para o improvável...
Deitar de costas no chão e reaver aquele céu,
Em que se perdiam, por horas, as minhas fantasias da infância,
Juntar as cobertas no rosto e recriar o dia,
Olhar as saídas de emergência e planejar a fuga,
Só assim, abolidos os sentidos,
Emparedadas as dores,
Possa eu finalmente contar,
Com a possibilidade mágica,
De reinventar a vida.