Um dia, saí de casa pronto.
Caminhei mil dias, sem parar,
até que minhas roupas ficaram velhas,
e o meu corpo se cansou desse vagar.
Dos horizontes, trouxe memórias
que não posso dividir,
detalhes de passos cansados
em caminhos poeirentos,
onde amanheci em madrugadas frias,
com a esperança acrescentando
nuvens à minha respiração...
Usámo-nos mútuamente,
os dias e eu.
Eu, procurando neles o que queria,
essa ternura ausente do quotidiano comum,
essa doçura desnecessária,
sem a qual meramente se sobrevive.
E eles, os dias, encontrando em mim,
em brilhos escuros no olhar,
a centelha ingênua e brilhante da vontade,
a partícula única, doce, férrea,
capaz de os fazer mudar.
E mudaram, os dias.
Mudaram para melhor, suavizados.
Trouxeram-me pessoas boas,
com quem acertei minhas passadas
durante os trilhos que percorremos
buscando os mesmos nortes.
Algumas eram romeiras convictas,
já alimentando há muito tempo
o seu vício de caminhar,
já sem memórias das razões,
e das origens, dos primeiros passos.
Outros, como eu, mais fortes,
negociavam com os dias
as estratégias das suas passadas.
Mas os dias mudaram, sim,
E acabaram ficando mais doces.
E eu mudei, também.
Mas não regressei sobre os meus passos,
antes percorri sempre novos caminhos,
numa extremada curva, até chegar a mim.
Trouxe mãos calejadas, do meu cajado de peregrino,
e um jeito contido de estar inquieto.
Ganhei dureza,
nessa doçura que perdi para os dias,
e alguma habilidade para ver,
ainda antes de olhar.
Mas, todos os dias, quando acordo,
e espero que se cumpram suavemente
aqueles minutos que demoro até chegar a hoje,
sinto que valeu a pena
toda essa longa viagem,
todo esse tempo gasto,
procurando algo que não existe.
Que apenas se vai construindo...
Setembro 2007