Olho para longe,
para o outro lado dessas águas escuras,
onde se juntam todas as recordações que ainda virão a ser,
pálidas como clareiras num verde imenso, total,
onde amanhecem brumas que se incendeiam,
num fogo diáriamente renovado.
Procuro-te nos mais leves movimentos,
mal os vejo despontar, aqui e ali,
nos mil lugares onde um dia passarás
nos passos deslizantes e irredutíveis,
fascinantes, do que vieres ainda a ser...
Procuro-te nos gestos que nunca vi,
nos jeitos sutis de detalhes que não conheço,
nos pressentimentos aninhados nas palavras
que, aos poucos, se libertam em brilhos,
e se revelam no que vou escrevendo,
como se os soubesse realmente.
Não procuro adivinhar-te, para, assim, te ter !
Eu já te tenho, nesses meus braços fortes,
nesse sangue correndo, como seiva primitiva de mim.
Eu já te tenho!
Mesmo indômita te tenho,
como força maior, como energia pulsando sempre!
Ou como espinho na carne, queimando docemente...
Ou como um frêmito nas flores, á beira do rio,
cujo reflexo corre sobre as águas, contra a correnteza,
para que ela não o afaste do seu original.
Eu já te tenho, poesia, força primeva, essencial,
fado a cumprir, fogo-fátuo que nunca me abandona.
Mas balanço!
E gaguejo, estremeço e rio,
sem entender como te tenho,
se, no fundo, te sinto dona...
Setembro 2007