Confusão no condomínio
(Mauro Leal)
Aves de rapina construíram seu ninho na varanda de uma moradia vazia no Jardim Botânico,
lá pelas cinco, ao raiar dos dias,
crocitam continuamente que enlouquecem aos condôminos.
Os restos mortais de suas presas são espalhados como que em uma cena de terror
e o odor exala insuportavelmente pelos arredores.
O sossego do síndico já não mais existe,
devido constantes reparos,
despreparo dos porteiros, zeladores e pedreiros,
e com os excitantes suspiros e explosivos histerismos no ápice do "rala e rola"
durante os momentos que seriam os das caladas madrugadas,
e agora com as instalagens dos vorazes e estridentes fanfarrões dos gaviões.
Até que um dia o japonês, proprietário, deu o ar de sua graça,
e logo na portaria o aviso recebeu.
Agradeceu e elevador acima ascendeu.
Passando os olhos na convocação, burburinhou:
" Isto é resultado dos criminosos desmatamentos e queimadas que estão transformando os hábitos destas selvagens aves de modo a migrar e abrigar nas varandas e árvores da maravilhosa e hospitaleira cidade".
Ao adentrar no "apê" um cheiro forte e desagradável já tinha tomado conta de todos os cômodos.
A empregada que de cara se apaixonara pela família invasora,
tratou de prontificar uma expressiva arrumação,
preservando o recanto dos carijós ora adotados,
que caprichosamente se acomodaram no côncavo da velha cadeira de balanço do bom velhinho.
E o dia da reunião extraordinária para tratar do destino dos pássaros de bicos aduncos era chegado,
foi dado início à leitura e um rumorejar paralelamente acontecia
e durante uma celeuma em bomba foi inevitável que revolucionou o quadrado,
no intuito de encurralar o arrolado por saberem que estavam diante de um professor ambientalista aposentado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, autêntico protetor por profissão.
O ancião com os olhos entreabertos e na parede imprensado,
simplesmente repeliu com rigor o clamor pela retirada do ninho,
enfatizando que não tocaria em nenhuma palha,
o que ocasionou um ferrenho embate,
daqueles tradicionais inerentes a estas concentrações.
Com os ânimos acirrados, o recinto virou um chinfrim,
tantas eram as "tagareladas" em linhas cruzadas.
Nipônico aportuguesado, assim dirigia o agitado oriental, dizendo:
"aqui tem gatos, lagartos, pintos, cachorros, papagaios, preás, periquitos, papas capins, canários, tartarugas, micos, calopsita e hamster uma grande bicharada", comentário este que apimentou ainda mais a baralhada,
que foi preciso solicitar reforço dos "parasitas" do porteiro, zelador
e até o “analfa” do pedreiro, também conhecido como "seu Zezim",
único remanescente do início da construção,
e que mesmo estando extremamente nervoso e sem direito à palavra, surpreendentemente intrometeu e pronunciou, causando um imbróglio:
“- se acalmem por favor, por causa deste "rololo",
veja o que arrumou: de fininho já desceu o CÍNICO, já desceu a CÍNICA
e ainda nada ficou resolvido, se aquietem "gentem".
Com esta jericada "vomitada" a assembleia quase vira uma forrózada, de muitos que foram os rasta pés com rodopios e risos.
e o quórum em coro por mais uma vez regeu a expressão de decepção:
"Que figura anfíbia és tu, seu cágado pedreiro, matuto-jeca-tatu,
"pô" meu "CÍNICO e CÍNICA", da onde tirou isso animal, "macegueiro cara de pau",
seu borra bota com câimbra e mosca de boi, com essa foi
a gota d'água pra em justa causa por zarpar.
agora trata de catar as ferramentas e em outro canteiro ir obrar".
E o hilário ajuntamento pra variar em banquete foi acabar
retornando o "japa", anfitrião, aos seus temíveis hóspedes "ciceronear".