<br />A questão é saber se vale a pena viver, e se deixar a vida é doloroso. Em princípio, nada do que é inevitável devia ser doloroso. Não posso, nem desejaria, avaliar a trajetória de cada um. Interessa-me o percurso que me trouxe do berço até aqui, quando não terei amanhã e que ontem, do ponto de vista em que agora estou, é a muralha de sentidos que não fazem sentido.
Nascer foi uma circunstância da qual participei passivamente.Não me lembro se senti dor ou espanto. A dor, de alguma forma passou, o espanto foi recorrente, e não houve espanto maior do que descobrir que tinha uma consciência, consciência imposta por fatores, costumes, superstições, querências e pavores que inicialmente não eram meus.
Dito assim,parece que dei importância aquilo que chamamos de "consciência". Não foi bem assim. Se nascesse em outra época, em outro meio, se não tivesse conceitos e preconceitos que fui adquirindo, resultaria numa consciência diferente daquela que se formou dentro de mim e à qual nem sempre fui fiel. Isso não chega a me condenar, tampouco me absolve.
Falei de pavores, mas exagerei. Na realidade, não me recordo de nenhum pavor específico. Medo sim. Sou o resultado do medo, um medo carnal, permanente, que me colocou na contra-mão dos caminhos que percorri, na verdade, daqueles caminhos que fui obrigado a percorrer.
Não chego a acusar ninguém, nem mesmo a mim. Vivendo as circunstâncias que vivi, todos seriam mais ou menos o que fui. Daí que não encontro motivos para me exaltar, muito menos para me lamentar. Olhei o mundo que me serviram e nunca me perguntei para que eu próprio servia. Achava que um dia compreenderia alguma coisa, seria uma questão de tempo e modo.
O tempo passou e o modo não foi encontrado, ou melhor, nunca foi aceito. Sou um homem, por mais repugnante que isso possa parecer.
Rui Garcia