Faz hoje 170 anos. Foi operário, tipógrafo, um dos fundadores do Partido Socialista Português e, com Oliveira Martins, do jornal A República. Matou-se com dois tiros de pistola, no banco de jardim de um convento, em Ponta Delgada, no dia 11 de Setembro de 1891. Estava vivo quando foi encontrado. Ainda ouviu o médico dizer que tinha sido um disparo único, mas esticou dois dedos para ser rigoroso. Era maníaco-depressivo, sofrimento rebaptizado hoje por «distúrbio bipolar». Não tinha 50 anos, mas parecia um velho. Era um homem piedoso: adoptou as duas filhas de um grande amigo que morreu. Viveu entre São Miguel, Lisboa, Paris e Vila do Conde, onde se fixou a certa altura a conselho do médico. Toda a vida procurou na filosofia um sentido para a existência e duvidou de Deus até ao último momento. No fim, escreve porém este poema assombroso:
Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depois do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva ao colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
Antero de Quental, in "Sonetos"