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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
não sei qual é o dia certo para morrer – procuro – como garimpeiro que sou. peneiro insistentemente o que ainda sou capaz de pensar – resisto – vómito – há um rio na vida que não entendo. leva-me para onde não quero e sou o que os outros não vêem – as mãos abanam o corpo. os pés enterrados em lodo e a cabeça pula de margem para margem onde moram abutres ocultos. vivem por detrás das silvas com que me pico todos os dias – negros e enormes. afiam os bicos em gargalhadas que anunciam festim – troçam – eles e eu sabemos o destino – na rede que me peneira. a sujidade disputa cada quadradinho minúsculo por onde escapa o que de mim resta – na água os peixes cantam canções de embalar e as harpas não deixam de anunciar a chegada do náufrago que não consegue morrer em paz na terra que o viu crescer – há dias em que a morte é a única solução para continuar a viver – encontrar o destino dentro do vazio é cada vez mais difícil e a pepita gigante do sossego. presa a uma parede de quadros que já só são recordações e a voz da saudade a dizer: o interruptor está por baixo da moldura da tua árvore genológica – descansa em paz