1.
Passou a chuva. O céu gorjeia.
Meio sol, já perpendicular.
Mas a água ainda é um rio. . .
Ainda está de boca cheia.
Como saber onde o menino
está, sob um céu repentino?
Chegam máquinas dentadas,
perfuratrizes, estridentes,
pra furar o chão de concreto,
espirrando erros e "rr"
de terra pelo vão dos dentes.
Mas o menino já é, apenas,
um objeto secreto.
Como, em meio ao desatino,
saber onde está o menino?
A mãe do menino quer, já,
entrar pelo cano do esgoto.
Como uma mulher marinha.
Como uma ave lacustre e ruiva
(ou subterrânea) irá,
tocada de celeste insânia,
saber onde o menino está.
Agarram-na os outros meninos
da rua, como anjos sujos,
que saíssem de alguma fossa
de um subúrbio de Betânia
e se agarrassem a uma Nossa(Senhora) também suja,
como fulvos caramujos.
(Nossa Senhora de mão grossa.)
E o menino, onde estará?
Ah, o menino está bem longe
com os seus barcos de papel.
Já vai seguido pelos peixes,
famintos, que os há prateados,
cor-de-rosa, cor de fel,
não importa qual seja a cor,
na derrota por onde, agora,
com os seus barcos de papel,
pequeno capitão, ele for.
Até d e s a p a r e c e r,
por fim — quem o saberá? —
num verde cego, universal.
No verde universo do sal.
Desaparecer na mesma água
em que um dia foi batizado
(pois a água do batismo
não é a mesma do abismo?).
2.
Minha mãe, que era capaz,
como essa mulher subterrânea,
de morrer, por teu menino,
eu bem sei em que terra estás.
Mas tu, ó teu menino
que fui, onde estarás?
Cassiano Ricardo, poeta.
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