Não posso dizer que sou um aborto.
Não posso dizer que Deus me ama, que Jesus me ama.
Não posso nem garantir que alguém ame alguém.
Nem que o amor exista. Nem a piedade.
Não posso dizer que sou feliz.
Nem sei o que é felicidade.
Não posso dizer que gosto mais do azul que do amarelo.
Só tenho fé nas cores da natureza, não nos corantes artificiais.
O azul do dinheiro nunca será igual ao azul do mar.
Também não posso dar a certeza se estarei vivo amanhã, ou se estou vivo hoje.
Há algumas pessoas, porém, que prestam verdadeira adoração a coisas mortas.
Ídolos de carne e osso que em breve virarão brisa.
Brisa mais fedorenta que a de algum béque.
Alguns adoram prédios caindo aos pedaços, verdadeiras instituições falidas.
Alguns servem ao Deus feito de papel sujo e numerado.
Mas eu,
Eu não posso defender pontos de vista se não acho nem o meu ponto de ônibus.
Não posso dizer que conheço meus amigos.
Ou que eles me conhecem, pois é tudo mentira, é tudo falso...
Se pisam no meu calo quero todos eles mortos.
Não posso dizer que sou sincero.
Ás vezes digo coisas falsas só para magoar.
Ás vezes digo coisas verdadeiras para enganar, ou pra me sentir bem, simplesmente isso.
Minha coragem acaba quando a fome ou a sede chegam.
Afinal sou um animal, um macaco humano, um primata nojento.
Ou um pedaço de barro.
Escolha teu Deus.
Ambos estão mortos, mas escolha o teu Deus.
Foi o que eles me ensinaram.
Esses eternos Eles sem rosto, sem nome, sem cheiro, sem poesia.
Eternos ninguéns castrados e amorfos.
Eternos seguidores de Cristo, Darwin, ou qualquer merda nova.