A tua mão é dura como casca de árvore.
Ríspida e grossa como um cacto.
Teu aperto de mão machuca a mão celeste,
de tão agreste — e naturalmente por falta de tacto.
A tua mão sabe o segredo
da lua e da floresta em seu explícito contacto
com as leis ocultas da germinação.
Mão monstruosa, de tão áspera,
incapaz de qualquer carícia, órfã de sutileza,
indiferente ao cetim e ao veludo.
Mão colorida,
em que moram os meses
com veias que mais parecem cipós encordoados;
com o dorso coberto de musgo
e em cuja palma, e em forma de M (que não quer dizer
morte)
se encontram, ainda, os sinais fundos
dos quatro rios que existiram no paraíso terreal.
Mão aumentada pela santidade do trabalho.
Suja de terra e enorme, mas principalmente enorme
como a estar sempre num primeiro plano
na sucessão das coisas — frutos, árvores, lavouras —
que saem dela ao fim de cada ano.
Se Cristo regressar, ó lavrador, não é preciso que lhe
mostres,
como eu, as feridas do corpo e do pensamento.
Nem as condecorações faiscantes que os outros ostentam
no peito.
Mostra-lhe a mão calejada.
Mostra-lhe a mão calejada,
enorme, a escorrer seiva, sol e orvalho.
E os anjos virão vê-la e por vê-la tão grossa e tão dura
farão com que na palma de tua mão nasçam lírios.
E a exibirão no céu, como um objeto desconhecido,
rústico e maltratado.
E Deus colocará uma foice de prata
em tua mão grossa, ríspida, acostumada ao trato da
terra terrível
e te dirá:
Trabalharás agora no meu campo
orvalhado de estrelas.
E dormirás sob a árvore da noite
Cassiano Ricardo (1895-1937), poeta brasileiro.