A porta abriu para um andar vazio .Continuei sózinho,em ereta e determinada contemplação do nada,a língua esgravatando o buraco da cárie,de reparo sempre adiado pelo mestre da procrastinação.As paredes metálicas,um todo de assepsia brilhosa,numa paz erma e escorregadia.Emparedado e móvel,a setenta metros de altura.O aço por testemunha do que piso e me cobre a cabeça;perturba-me essa música rastejante sob o silencio,a ausência de cheiros ,odores e nuances.Um ser assustado me observa, do outro lado deste dilema de aço:eu mesmo, sobraçando meu jornal e minha circunstância .Talvez a vida me tenha sido leve : sentimentos anódinos,memórias desinfetadas,o fim da infância descoberto no limiar da velhice. Agora,a música tão próxima,quase a brotar-me dos olhos,ligados na tinta forte das manchetes.Paramos.Mais alguém na caixa.Uma mulher - ruiva de fato ou circunstancia ? Procura na bolsa ,tateando um sentido inexistente aqui fora até esbarrar no batom;joga os cabelos para trás,em frio e largo gesto;retoca os lábios fazendo minhas pupilas de espelho, mas não me vê.
andrealbuquerque