CONFESSADO
Antes que as noites durmam
na ilusão de outra lua
não saberás por mim, o confesso,
que habitavas todos os versos
Os escritos e os pensados
Vivias em cada palavra
dita, omitida ou imaginada
Tudo que ligava o mundo
ao homem e seus sonhos
tinha por única moldura
um sorriso de encanto
Não, não o que davas
que teu tudo era nada
mas o amor que eu embalava.
Amei no caos
nas noites de nada;
amei teus dias claros
quando tudo era táctil.
Deliciaram tuas tristezas
tanto quanto as alegrias:
em mim algo, apenas, adorava.
Sei que nada entenderás
de um amor que não vivestes
Mas, exatamente por isso
poderás tentar perceber,
se fores atento expectador,
todas as evoluções do amor
que não exigia teu sacrifício
Era apenas amor que ama
sem desforço ou esperança
Era além de mim, aquém de ti
vivia no justo espaço
que lhe permitia sorrir
por apenas saber que existias:
isso o alimentava. E sofria.
Nunca creu nas tuas palavras
portanto, singelo passarinhar
que vai de canto a canto
querendo flores despojadas
para fecundar outras flores
É o que se espera dos amores
que alimentem sem se alimentarem.
Não saberás que serás lembrança
Serás eterna em todas as vidas
que houver para serem vividas
Ultrapassarás o tempo: eterna
Frente a ti, tudo será pequeno
Até o meu amor, enorme sem caber
se o percebesses, sería mísero.
Amei em silencio, jura secreta
Amei por ofício, dedicação
Amei além das coisas, semblant;
As ausências chamei de falta,
omissão, para não dizer decepção.
Amei até me dar por liberto.
O que restou, fátuo, a si consome.
Pax et lux