Se eu fosse nuvem tinha imensa mágoa
Não te servindo de asas maternais
Que te pudessem abrigar da água
Que chovesse das mais!
E sendo eu onda, tinha mágoa suma
Não te podendo a ti, mulher, levar
De praia em praia sobre a alva espuma,
Sem nunca te molhar!
E sendo aragem eu, que pela face
Te roçasse de rijo alguma vez
Que o Senhor com mais força respirasse...
Que mágoa imensa... Vês?
E a luz do teu olhar que me não luza
Um rápido momento a mim sequer,
Como a águia no ar, que passa e cruza
A terra sem na ver!
Mas que me importa a mim! Se me esmagasses
Um dia aos pés o coração a mim,
As vozes que lhe ouviras, se escutasses,
Era o teu nome... sim;
O teu nome gemido docemente,
Com toda a fé de um mártir em Jesus.
Se acaso já em Cristo pôs um crente
A fé que eu em ti pus!
A fé, mais o amor! Porque ele expira
Sem que a ninguém lhe estale o coração;
E eu, se essa luz dos olhos me fugira,
Sobrevivia? Não.
Assim como em ti vivo, morreria
Também contigo, se uma vez (que horror!)
Te visse pôr, ó Sol!... Sol do meu dia!
Astro do meu amor!
João de Deus, poeta, pedagogo português (1830-1896), in 'Campo de Flores'.