Certa feita, observando um senhor que relatava a amigos sobre sua antiga casa, percebi a angústia percorrer-lhe os braços, pernas, pele e face. Afinal, não havia mais tanta viscosidade onde por décadas tal senhor habitara. Atenta, procurava não perder nenhum detalhe da história. Impressionava-me os sentidos quanta transformação a moradia do senhor adquiriu. Cada sulco naquelas paredes contava emoções, histórias e lembranças. Tão logo notei que a angústia era minha, ao ver tanta felicidade nos olhos quase centenários daquele senhor. Sentia-se, sem dúvida, renovado e mais leve. Qualquer casa viscosa sentiria-se envergonhada. A casa daquele senhor alcançara um estado evolutivo honroso: aprendera que mais valia o aconchego aquecido de uma casa vivida e por tantas vezes visitada, do que a casa de paredes limpas e frescas, mas que peca em não conhecer seus próprios cômodos. Saí dali de bem comigo e com a minha casa: ela terá seu tempo de aconchegar-se.
Letícia Corrêa