Eram sacas
feitas de estopa,
tinham as bordas
bem arregaçadas
Continham grãos
de arroz, de feijão
de milho, de soja
de trigo, de ervilha
Comprávamos feito ração
hoje, de cães e pássaros,
as sacolas eram de papelão
e a balança, de pesos e pratos.
Naquele tempo
havia uma caderneta
Se anotava e se pagava
no fim do mês, ou no abono
A COBAL e a Cooperativa
Serviam a toda Santanésia
Lembro-me do Café Paulicéia
E da gordura de coco carioca
Assim seguia a vida
No ritmo ditado pela Fábrica
de papel, era uma vila operária
onde havia a festa da padroeira
E aquele jogo de latas de óleo
Feito um boliche moderno
Me encantava a pescaria na caixa
E os grãos de feijão na víspora
Mas, sempre pensava nos grãos,
generosidade das ramas de feijão
adornando as espigas de milho
compartilhando seu cale e o solo.
Grãos de feijão com coentro
Com torresmo tostadinho
Ou na feijoada da Sebastiana
Com carne-seca e couve à mineira
Grãos de milho ralado
na pamonha com queijo coalho
na pipoca do Cine Brasília
no cural de milho com canela
Grãos de arroz grudados
pra comer com palito oriental
ensinou o japonês lá do Areal
unidos todos poderemos
Os ramos do trigal - que romântico -
para enfeitar os vasos da sala
pareciam cabelo da menina de trança
os grãos que viram farinha e pão
Da vagem de ervilha
No calor brando do fogão a lenha
Com aquela gema vermelha
De galinha caipira, ou na sopa
A soja nesta época
era inda ração de gado
se aproveitava pouco o óleo
pra não usar o toucinho
E a vida assim fluía
das mãos que colhiam os grãos
às mãos que escolhiam os grãos
Preparando a terra, festejando a ceia.
AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 18-mar-12, refletindo sobre os grãos e sua terra natal, Santanésia.
Arte por Vincent Van Gogh ~ the sower