Levanta cedo, pois tem que trabalhar mais hoje. Aliás como todos os dias. Trabalha fora e dentro de casa, então para ela, trabalhar faz parte do dia a dia, não há um dia diferente.
Hoje é aniversário de seu filho, ela tem que planejar a festa: preparar a casa para receber os convidados, tirar as coisas quebráveis do caminho, e só ela pode guardar, para ter tudo intacto depois que todos saírem.
As pessoas começam a chegar e agora ela tem que trabalhar: verificar se todos estão satisfeitos; dar “uma palavrinha ou outra” aos convidados, ser social. “Gostaria que todos saíssem e eu pudesse voltar a minha vida” - pensa ela enquanto suspira ao perceber mais um convidado chegar.
A festa não é dela. Ela nem gosta, mas tem filhos e eles gostam. Eles são importantes, então submete-se ao sacrifício.
Sempre alguém aparece para dizer que ajudará ao final da festa, ajudará a colocar a casa em ordem. Promete ficar e ajudar.
A festa termina. Está sozinha no meio do conflito que se instalou em sua casa. Agora ela é sua casa, pois todos os outros moradores foram descansar e deixaram a casa para ela.
“Só a tenho quando não a quero” - resmunga enquanto cata pequenos pedaços de bolo, doce, salgadinho e outras coisas que nem quer saber o que é.
A promessa foi esquecida. “Que se dane! Teria que aturar mais uma coisa!”
Promessas sempre proferidas e raramente cumpridas. Fazemos acordos verbais que facilmente são esquecidos, desditos, recusados.
Prometemos a todo momento que faremos coisas: deixar de fumar, deixar de beber, fazer caminhada, alimentar-se melhor, passear com o cachorro e tantas outras coisas que acabamos soterrados de promessas vazias.
Promessas vazias que são feitas para não serem cumpridas. “É interessante como podemos dar esperanças a alguém e simplesmente depois dizer que esqueceu, que não deu ou outra desculpa qualquer”- resmunga mais uma vez, agora mais alto como se falasse com alguém.
Senta-se no chão em meio aquela sujeira que outros fizeram e foram embora deixando-a ali sozinha para fazer o serviço de limpeza.
“Não consigo fazer isso, não posso!” - levanta-se e sobe em direção ao quarto. Quer tomar um banho, se limpar, trocar de roupa e talvez dormir.
Gostaria de dormir agora, talvez consiga, talvez tenha que tomar algum comprimido para o sono vir mais rápido. “É, é melhor fazer isso, preciso dormir, preciso esquecer este dia, ou melhor, preciso esquecer todos os dias, seria bom se não me aparecesse mais nenhum!” - fala para si mesma segurando um comprimido e pegando um copo de água em meio ao caos que está a cozinha.
Engole rápido o comprimido como se isso fosse trazer rápido o sono. Mas ele não vem tão rápido assim. Demorará mais algum tempo, tempo suficiente para ela pensar.
Pensar no dia, pensar nas pessoas, pensar nas conversas que ouviu, nas que participou, pensar na promessa, agora já insignificante.
Levanta cedo, pois tem que trabalhar mais hoje. Aliás como todos os dias. Trabalha fora e dentro de casa, então para ela, trabalhar faz parte do dia a dia, não há um dia diferente.