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não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu
a noite nas mãos – escrevo – procuro nas palavras o que deus me deu de poeta. digo poeta porque não sei dizer mais nenhum nome que traga nas palavras dor e na leitura amor – inclinado. gosto do que penso e penso: um dia terei uma palavra só minha. mais comprida do que o meu nome – sou da plebe – fonemas? não interessa sou leitura. aconchego – escrevo – quem sabe se com a ajuda de um gnomo um dia possa ser uma folha a4. dobrada em quatro. guardada no fundo de um bolso com quatro cantos – casaco – casaco gasto pelo tempo. pela moda. sem estação. sem nenhum dia especial para dizer: vesti – um casaco – um casaco sem nome. remendado. quase trapo. a forma é-lhe dada pela cruzeta e pelo passado: cotovelos puídos. punhos esfiados. cor desbotada. tudo isto preso a um guarda-vestidos que já nada guarda – agarrados a este nada. só eu e o casaco. um quer ser escritor o outro. quer dar um passeio num corpo com profissão – casaco de escritor – como se o casaco de um escritor guardasse. por dentro. a magia dos ilusionistas e num passe de pura magia soubesse mudar o destino de um casaco sem nome – destino! quem pode mudar o destino? ninguém – não há gaivotas a sair de dentro de cartolas – só poderei sobreviver nos olhos dos que guardam folhas a4 – se um dia esta gente de vento tiver sorte. dirá: desde que meti esta folhinha a4 no bolso a vida é uma gaivota – sempre fui gaivota – nesta noite de janela longa. as mãos já passaram além de taprobana – seria assim que diria camões? quero pensar que sim. afinal sou lusitano e os lusitanos sempre gostaram de viajar nem que seja numa folha de papel a4 – noite. sou noite – a noite nunca dorme. e é cada vez mais inversamente proporcional à minha vontade de escrever – muita –