Por anos tentei decifrar,
Compreender a largura e a profundidade
De tal dádiva celestial.
Elucidar o encantamento melódico
Desta expressão que nos torna singulares,
Menos criatura
E mais Deus.
Reivindicando a minha porção sagrada
De tal manjar,
Mergulhei no fel das escolhas contidas
Das decisões evitadas
Deixei escorrer pelo corpo o veneno
Do erro.
E tal líquido formoso
Percorria a pudica aura do espírito
Resfriando esse invólucro carcerário.
Porém acariciava e aquecia
A pele palpitante da minha armadura natural
Aquela que se vê a olhos fidedignos,
Ou seja,
Nus.
E quanto mais afável era o toque
Menos a Sua imagem eu me sentia.
A cada desejo consentido
Eu era mais natureza
E menos Criador.
Eu era mais vivo
E menos esperança.
Eu era mais ser
E menos tornar-se.
No entanto
Quando a peçonha atingiu
A menina dos meus olhos
Pude ver com detalhes
Como todos estavam nus
Mas alguns escondiam suas partes pudendas
Com fé, esperança e pudor.
Esses últimos tinham um aspecto necrótico
Mas felizes pela decomposição da carne.
Tentavam lançar-se aos céus
Mas eram agarrados por enormes gusanos
Que atestavam a sua insípida
Natureza terrena.
Após tal experiência
Percebi que o livre-arbítrio
Apenas nos permite escolher
Quanto viver.
"A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito." Manoel de Barros