Abro a gaveta
onde se esconderam uns fantasmas
e eu guardei outros, disfarçados de palavras,
camisas limpas que não pude vestir
e papel em branco, envoltos
em ninhos de sombras
e pedaços de luz
da lamparina de azeite
do oratório de minha mãe -
abro a gaveta
vagarosamente, assustado
para que não me assustem
como quando era menino
e os temia
mas conversava com eles
na escuridão do quarto.
Tenho medo da gaveta
e desses seus conteúdos
que poderão trazer de volta os fantasmas,
os que guardei e os que se esconderam
apenas esperando o tempo
de se apresentarem à minha solidão
e desesperança
para cobrar a vida que não tivemos
eu e os meus predecessores, eu
e os meus perseguidores, eu
e os que não me amaram, eu
e os que não pude amar -
esses fantasmas todos
perdidos e escondidos
nestas gavetas de ventos e de fantasias
entreabertas pelos vácuos de minha vida
e depositárias, como fantasmas,
dos anseios do tempo inteiro,
e do que restou de minha inocência
dos anos de luz, esses curtos anos
de mitos e fantasias
realizados no cristal da infância.
Álvaro Pacheco, poeta e jornalista natural do Piauí.