Nossa! Existem pessoas que parecem ter levado fezes de urubu na cabeça, existem pessoas para quais os acontecimentos são os piores possíveis, alguns, muitos até, existem apenas para consolidar o adágio da cultura popular ocidental, a lei de Murphy: "Se alguma coisa pode dar errado, com certeza dará". Fausto.
O Fausto era um cara legal, boa praça, super gente fina, entretanto as gafes, os descuidos, os micos eram constantes em sua caminhada existencial.
Ao almoçar pela primeira (e única) vez na casa de sua namorada, o pobre coitado fora aometido por uma dor de barriga desgraçada, os gases maus cheirosos tomaram toda sala de jantar (almoça-se e janta-se nas mesma sala, mas nomeiam-se como apenas de jantar) e depois daquele fatídico dia, ele voltou a ser um solitário. Certa vez ao passear pela pracinha de seu bairro, sentiu muito calor, então decidiu tomar um sorvete, mas havia um pombo que desprendeu uma "tonelada" de vezes atingindo o sorvete em cheio. O Fausto lamentou "tudo de errado acontece comigo".
Aquelas poças de água que se formam nas ruas após as chuvas, pois é, elas mesmo o Fausto distanciava o máximo possível, mas nunca conseguia afastar-se o bastante, sempre havia um veículo que espalharia toda aquela água, donde o corpo do nosso amigo sem sorte sempre fora o ponto de impacto.
A água sempre faltava quando ele estava todo ensaboado, no meio do banho, de fato o Fausto não tinha muita sorte. Os ingressos para o cinema que jamais conseguira comprar, afianal ele sempre se atrasada para a comprar, a mancada, a palavra mal colocada no meio de um diálogo. A falta de potência quando conseguira, depois de muito esforço ter uma parceira para a consumação de seu primeiro ato sexual (não houve).
Certa vez ele decidiu fazer uma omelette, saiu para comprar os ovos necessários, entretanto na volta para casa, distraiu-se com uma discussão entre duas mulheres que berravam ofensas, tropeçou e meio naquele cai e não cai espatifou-se ao chão quebrando todos os ovos, que foram esmagados pela sua face, no mesmo instante as ofensas sanaram-se e todos riam daquela cena deplorável: um homem de calças justas, camisa de listras, óculos fundo de garrafa, tendo a face pintada de amarelo pelas gemas dos ovos.
Foram tantos os acontecimentos ruins que as simples linhas de um texto não serão suficientes para descrever...
Diante de tamanhas perturbações, começou a procurar explicações para tanta "desgraça".
Encontrou-se em uma manhã de sábado na sala de um guru muito auspicioso que fez-lhe revelações surpreendentes. Fora dito ao Fausto que todos esses contratempos foram cravados no momento de seu nascimento, que seria sempre assim, não haveria solução para apaziguar todos os revés de sua vida, afinal o seu nascimento não havia obedecido as leis naturais do ato de adentrar no mundo terrestre.
O Fausto, intrigado começou a questiona-se, afinal de que maneira teria ele nascido? O que haveria acontecido de tão estranho assim com ele para tanta infelicidade? Decidiu então falar com a Tia Soraia, ela certamente expressaria algo sobre os acontecimentos do dia seu nascimento, afinal a Tia Soraia possuía a "maior língua" da região, tudo que se havia passado na família ela sabia de maneira integral, então o Fausto a questionou:
- Tia, como foi meu nascimento?
A tia respirou fundo.
- Meu filho essa é uma história longa, prefiro não relatar sobre ela.
- Tia, a senhora já prestou atenção de como sou azarado? Um guru disse-me que é culpa da maneira como nasci, por favor, me diz como foi meu nascimento.
- É, de fato você não tem sorte, também tendo nascido daquele jeito?
- Que jeito tia, que jeito, por favor, me fale, por favor!
Está bem, vou contar-lhe como fora seu nascimento.
- Era quinta feira, o dia estava bonito, um daqueles dias em que temos a certeza que as coisas boas são mais fortes que as ruins. A casinha da "roça" em que vivíamos estava limpa e arejada, as janelas abertas propiciava a visão do oitizeiro que encontrava-se repleto de azulões, tornando nosso terreiro um verdadeiro concerto enigmático. Sua mãe, a 10 dias de completar o ciclo perfeito da gravidez começara a reclamar de dores na região dorsal de seu corpo, dores nas "cadeiras". Mamãe, experiente em gestações logo expressou "chegou a hora da Márcia". Todos na casa entenderam perfeitamente o que estava por ocorrer, mamãe nunca errava, a Márcia realmente iria dá a luz. Papai, que encontrava-se no campo a trabalhar, fora avisado pelo seu tio Samuel, eu estava na porta, um tanto quanto nervosa e avistei papai correndo em direção a casa ele corria e gritava "meu neto vai nascer! meu neto vai nascer! Sua mãe a essa altura gemia de dores, contorcia-se na cama, todos estávamos assustados, nunca antes tínhamos visto uma mulher a dá a luz agonizar tanto. Era necessário ir até a vila e trazer a parteira, papai preparava o cavalo russo, o mais veloz que possuíamos, a viagem de 5km precisaria ser rápida, afinal ainda seria necessário encontrar o Sr. Miguel com o carro disponível para trazer a Srª Isa, a parteira mais conhecida da região, aquela que possuía mais de noventa filhos de parto, afinal, por falta de médicos, era a Srª Isa, ou mlehor, a mãe Isa que socorria todas as grávidas no momento do parto. Para nossa sorte papai encontrou não apenas o Sr. Miguel disponível, bem como, a mãe Isa pronta, ela sempre estava pronta! A essa altura quando papai ainda encontrava-se no retorno para casa no mesmo veículo que a mãe Isa e o Sr. Miguel (o cavalo fora deixado na vila), sua mãe, a Márcia, contorceu-se de maneira muito estranha: estava por segurar uma de suas pernas e o seu tio Samuel a outra, enquanto mamãe encorajava-a a forçar para que você viesse logo a nascer, a Márcia, colocando uma força descomunal fez com que ambas as pernas se soltassem de nossas mãos, mamãe afastou-se por um instante e, neste momento sua mãe, que gemia de maneira estridente sentou-se na cama, podemos observar que sua barriga, a barriga que carregava você Fausto, exatamente aquela barriga começava a fazer movimentos ondulares, ficamos abismados com todo aquele "sinistro" momento, ao mesmo instante das ondulações percebíamos que havia ânsias extranhíssimas em sua mãe, derrepente voltaram as contrações do parto e os gemidos de dor, não havia mais ondulações no ventre da Márcia, agora, mais uma vez estávamos sustentando suas pernas e mamãe por incentivá-la. Mesmo com os gritos da Márcia observamos a chegada de papai, da mãe Isa e do Sr. Miguel, afinal os cachorros latiam com a presença de estranhos e, também não confundiríamos sob hipótese alguma o som que ecoava do motor daquele corcel 78 vermelho. Mãe Isa apressadamente entrou em nossa casa e adentrou ao quarto, o Samuel retirou-se e mamãe assumiu seu lugar, mãe Isa agora dominava a situação, sua mãe, a Márcia, continuava a gemer, agonizava, transpirava de maneira contínua e prolongada. Mãe Isa, no auge de sua experiência dizia "toma égua, na hora de fazer tu não gemia assim, agora aguenta!" Essa era a maneira como mãe Isa cuidava de suas pacientes. E a Márcia contorcia-se, enquanto mãe Isa colocava suas mãos em movimentos rápidos e perspicazes no canal que conduz ao colo do útero, até que de novo aconteceram as ondulações do ventre e as ânsias, dessa vez de maneira mais intensa. Quando acalmaram-se as ondulações mãe Isa expressou "está difícil, mas ele vem, vai ser um meninão, tenho certeza, birrento assim, vai ser um meninão!". Na sala, papai, o Sr. Miguel, Samuel e os meninos perguntavam o que estava por acontecer, enquanto nós de dentro do quarto pedíamos que tivessem calma, que logo você estaria entre nós. Estávamos todos cansados, a Márcia parecia não mais aguentar, mamãe tentava incentivar "vai dá tudo certo filha, tenha fé em Deus". Confesso filho que tive medo, estava com medo naquele momento, pensei que perderíamos você e sua mãe, mas derrepente mãe Isa gritou "VAI NASCER, ELE ESTÁ VINDO, VAI NASCER!" e então... - A tia Soraia pigarreia.
- Filho, vou tomar uma água, já retorno para terminar essa história.
Tia Soraia dirigiu-se à cozinha, sendo levada por suas "pernas tortas", era uma senhora estranha, talvez pelas dores da vida, talvez pelas escolhas erradas. Na cozinha tomou alguns goles de água que apaziguaram a sensação de poeira na garganta. Voltou para a sala, olhou fundo nos olhos do Fausto:
- Filho, tens certeza que deseja saber o final da história?
Fausto aquiesceu positivamente com a cabeça, afinal estava prestes a saber qual a razão de toda essa falta de sorte e, também saberia quão diferente foi seu nascimento.
Tia Soraia, olhou para o teto rapidamente, como quem recordava de detalhes obscuros, na verdade ela sentiu por um instante a dor da inóspita lembrança de um parto tão doloroso. Então voltou a falar:
- Bem filho, como eu dizia estávamos cansados, perdendo a fé em termos você entre nós, mas os gritos da mãe Isa nos reanimou, diante daquela algazarra de expectativas, vibrando finalmente com a sua chegada senti-me feliz por ter ajudado. Mãe Isa gritava muito, mas derrepente silenciou-se. Ficamos perplexos, o que havia acontecido? Onde estava você? Mãe Isa quebrou o silêncio que predominou por um segundo "ÉÉÉ" este foi o som que ela conseguiu expressar, estávamos novamente a observar sua mãe contorcer-se de dor, a enorme barriga agora possuía ondulações gigantescas, os movimentos rápidos e constantes, as ânsias faziam sua mãe desprender a língua para fora da boca, todos gritavam "MEU DEUS"! - O Fausto começa a chorar, mas tia Soraia continuou a história.
- Neste momento não segurávamos mais as pernas da Márcia, ela se encontrava solta na cama, mãe Isa a rezar no canto da parede, mamãe a clamar "Meu Deus, ajude minha filha!" e eu a chorar diante de toda aquela tetracidade. A Márcia manteve as pernas abertas, os olhos reviraravam e o ventre encontrava-se com os movimentos ondulatórios, derrepente percebemos que uma grande bola formava-se acima do ventre se sua mãe, no estômago, a região abdominal encontrava-se como a de uma virgem enquanto o estômago parecia que explodiria, as ânsias faziam a boca espumar, mas aquela bola não fora aceita no estômago algo subiu pelo esôfago deixando um cilindro aparente entre as mamas da Márcia. A tetracidade da cena aumentara desproporcionalmente ao que olhos podiam suportar, sua mãe sacudia-se incisivamente, gemia, gritava, implorava para que tirassem dela aquela angústia, aquela dor. Papai, Samuel, Sr. Miguel e os meninos encontravam-se no quarto também, não foi possível mantê-los distantes, mãe Isa continuava a rezar, mamãe acariciava a cabeça da Márcia e eu paralisada em frente às pernas de minha irmã, não tinha mais reações. O cilindro do esôfago começou a subir, expelia muita espuma pela boca da Márcia, a mandíbula desprendeu-se do nervo maxilar, houve gritos, muitos gritos, o cilindro movia-se mais rapidamente para cima, a Márcia, em um instinto de força levantou os braços, houve três ânsias muito fortes então de maneira assustadora e inesperada fora expelida uma imensa golfada. Uma camada enorme de espuma amarela se formou sobre o lençol azul claro, não havia mais o cilindro, não havia mais o bola, não havia mais o volume exagerado do abdômen. Você Fausto, estava em meio à espuma amarela, encontrava-se envolvido nos mucos de seu nascimento, você foi golfado!
O Fausto chorou de maneira veemente durante longos minutos, após esse tempo secou os olhos e ecoou um grito de desespero "EU FUI GOLFADO"!
Toda a falta de sorte que sempre o acompanhou desde o nascimento, fora e continua sendo sua companheira inseparável, até os dias de hoje.