Troco minhas palavras pelo vento. É tudo que lhe digo.
Garanto-lhe estar satisfeito em poder ter sido e ainda ser tão insatisfeito, o maior de todos, se me permite, amigo, o exagero.
Existo, realmente, quando fecho meus olhos antes de dormir, quando posso então pesar todos os meus pecados, crimes e alegrias, numa balança feita do aço das minhas lágrimas cristalizadas pelos anos, e enferrujada pelas esperanças. Crimes esses, felizes ou tristes, que juraria-lhe com todas as minhas forças e convicções, se ao menos tivesse alguma, nunca cometi ou cometerei. No entanto, como animal cegado pela natureza, tudo realizei sem dó, apenas por impulso e não pensar, ou por pensar em excesso quando isso não era propício.
Espanto-me com o poder de minhas ilusões, e quantos deuses e mundos construí em toda minha vida, para ver-me verme e morto após o suar e sangrar de tantos anos e desesperos.
Não sei para onde caminho, nobre amigo.
Sei apenas que tudo que posso fazer é caminhar e chegar o mais longe possível, e quem sabe no fim dessa caminhada encontre alguém, algum olhar, alguma palavra, algum sorriso, que faça valer a pena voltar para casa e encostar meu corpo em meus lençóis, sem mais nenhuma divagação a tomar conta de meu pensamento; dormir sem sonhos, sem mágoas, sem alegria; experimentando de perto o doce sabor da ausência de qualquer sensação: dormir profundamente; sem certezas; sem dúvidas; apenas dormir para chegar a algum porto, alguma nova estrada, novos sonhos, sem pretensão alguma de que isso virá a acontecer; sem pretensão alguma de tudo isso ser algo mais do que um simples texto em milhões de infinitos textos, que termina exatamente em seu ponto final, sem acréscimos, sem nada a mais a se dizer, para nunca mais ser reescrito, relido, ouvido, cantado, em qualquer outro canto ou lugar no tempo, além desse aqui-e-agora que tanto me assombra; e que milagrosamente, passa. Efêmero como a eternidade, de natureza assustadoramente similar a dos sonhos.